Tributo a um economista criativo
Prof. Paulo Sandroni
“Quaisquer que sejam as antinomias que se apresentem entre as visões da história, que emergem em uma sociedade, o processo de mudança social que chamamos desenvolvimento adquire certa nitidez quando o relacionamos com a ideia de criatividade.”
Celso Furtado
Considerações iniciais
Num ano repleto de más notícias e às vésperas de outro que não deverá ser muito diferente, decidi dedicar meu último artigo a algo positivo. Como admirador da Economia Criativa e convicto de que ela ainda poderá se desenvolver muito no Brasil, rendo minha homenagem ao Prof. Paulo Sandroni, que, a meu juízo, representa um ótimo exemplo de economista que explora brilhantemente as possibilidades abertas por esse novo campo de atuação do economista, que pode ser definida como “a economia do intangível, do simbólico, que se alimenta dos setores criativos, geradores de bens e serviços que resultam em produção de riqueza cultural, econômica e social”.
Infelizmente, como ocorre em diversos setores, a descontinuidade tem marcado a trajetória da Economia Criativa no Brasil, impedindo que ela possa se transformar num dos elementos fundamentais de uma estratégia de crescimento econômico sustentado. Surgida como um conceito relativamente novo cunhado na Austrália, mas usado como política pública já em 1997 pelo Reino Unido, a Economia Criativa pouco avançou no Brasil nos últimos anos, apesar do excelente trabalho realizado pela Secretaria de Economia Criativa, em especial durante a gestão da secretária Cláudia Leitão. Como observa a economista Lídia Goldenstein, estamos perdendo muito tempo e o mundo não nos espera.
A China, por exemplo, colocou a Economia Criativa como uma das principais metas do seu último Plano Quinquenal, junto com novas energias limpas. Depois de começar copiando e produzindo grandes quantidades a custo baixo, ela vem investindo em desenvolver capacidade de pesquisa para ampliar sua competência tecnológica para produtos e serviços de maior valor adicionado. Vem também realizando um esforço enorme para criar uma capacidade endógena de design. A Inglaterra, percebendo a ameaça do avanço chinês nessa área, vem desenvolvendo por meio do seu Design Council e de outras agências, programas específicos para ajudar empresas a identificar como a criatividade e o design podem melhorar seu desempenho. A Coreia criou o Korea Design Center, um complexo que serve de hub ao Korean Institute of Design Promotion’s, e trabalha para desenvolver a competitividade nacional por meio do design. Taiwan tem um National Design Center e Cingapura tem o Fusionopolis Creative. Estes – e outros diferentes países – já descobriram que Economia Criativa é a política industrial do século 21.
Enquanto isso, complementa Goldenstein, “no Brasil, a Economia Criativa permanece como um conceito pouco conhecido e quase ignorado, utilizado apenas por militantes na área de políticas culturais e/ou ligados ao artesanato, festas populares e/ou atividades voltadas para a inserção social de grupos de baixa renda”.
Portanto, há muito a se fazer no Brasil no sentido de transformar a Economia Criativa numa das locomotivas da tão desejada retomada do crescimento econômico. Para tanto, há necessidade de ações articuladas entre as três esferas de governo a fim de explorar os segmentos abrangidos pela Economia Criativa que possuem maior capacidade de agregação de valor, como são os de arquitetura, design, moda, cinema e vídeo, rádio e TV, publicidade e propaganda, softwares e videogames.
Prof. Paulo Sandroni
Nesse cenário, é ainda mais significativo o trabalho desenvolvido pelo Prof. Paulo Sandroni, economista graduado pela FEA-USP em 1964, mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor das Escolas de Economia e de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.
Muito antes do surgimento do conceito de Economia Criativa, o Prof. Sandroni já se destacava por ministrar aulas na FGV e na PUC-SP, adotando métodos diferenciados para delírio dos alunos.
Não bastasse esse aspecto, Sandroni aliava à excelência como docente, uma ativa militância política e uma intensa produção editorial, que ganhou especial destaque com o Dicionário de economia do século XXI, verdadeira referência no Brasil e ganhador do Prêmio Jabuti em duas edições diferentes, nos anos de 1995 e 2000.
Outra excelente sacada do Prof. Sandroni foi a criação do jogo Brincando de Ministro, um videogame que, posteriormente, foi adaptado e transformado no Jogo da Economia Brasileira, servindo de base para uma gincana realizada anualmente por estudantes de Economia de todo o País em disputas estaduais organizadas pelos Conselhos Regionais, com os vencedores classificando-se para a gincana nacional organizada pelo Conselho Federal de Economia. Uma verdadeira coqueluche, que permite não apenas o aperfeiçoamento, mas também a confraternização de estudantes de diferentes partes do Brasil.
Nessa área de games, o Prof. Sandroni não parou mais, tendo desenvolvido diversos outros que são utilizados em seus trabalhos de consultoria para empresas públicas e privadas, assim como para governos do Brasil e do exterior.
Não bastasse toda essa atividade, em 2014 o Prof. Sandroni resolveu experimentar outro segmento da Economia Criativa, escrevendo um romance que se desenvolve em meados do século passado, intitulado Jeromin: Memórias de um capataz, em que
um velho e poderoso fazendeiro, temido chefe político, vai perdendo a memória. Face às exigências da produção capitalista que acompanha a expansão das fronteiras agrícolas e se infiltra no campo rompendo arcaicas relações de trabalho, tenta resolver os novos problemas com métodos cada vez mais próximos dos existentes na escravidão. O mercado avança; ele retrocede. O entrechoque de formas de produção, a ambição por poder e riqueza, a resistência dos oprimidos, a revolta dos deserdados e também um embate de gerações: uma confrontando a outra e ambas se dilacerando num jogo de amor e ódio, autoritarismo e intolerância. Nessa trajetória de conflitos e lutas pela terra, de violência, de trapaças, de falsificações, de matadores e mandantes, de misticismo, de frustração de desejos e destruição de sonhos – refletidas na visão de um capataz – o velho fazendeiro perde não apenas a memória e o poder político local, mas acaba causando a si mesmo uma grande tragédia.
Trata-se de um daqueles livros que chegamos ao fim com a sensação de “quero mais”.
Considerações finais
Por fim, como acredito que a Economia Criativa é parte de um ciclo mais amplo que inclui a criatividade, o empreendedorismo e a inovação, encerro este último artigo de 2015 fazendo também uma reverência a personagens e/ou entidades que também de projetaram ou consolidaram sua atuação ao longo do ano:
- Bel Pesce, a Menina do Vale, fundadora da FazInova, permitindo o surgimento de novas gerações de empreendedores e inovadores (http://www.belpesce.com.br/ e http://www.fazinova.com.br/);
- Cláudia Leitão, ex-secretária nacional de Economia Criativa, que não esmoreceu diante da descontinuidade tão comum em nosso país e continua trabalhando incansavelmente pela disseminação da economia criativa, prestando consultorias a entidades e governos tanto do Brasil como do exterior;
- Fernando Viana e Beto Menescal, no comando da Fundação Brasil Criativo, agora com atuação também em Portugal (http://fbcriativo.org.br/pt/);
- José Luiz Coimbra de Melo, conhecido como Iso, idealizador do Projeto GIBI, um extraordinário trabalho de empreendedorismo social por meio do basquete nas escolas, que já está sendo realizado nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia e que neste ano conseguiu duas parcerias importantíssimas, com a NBA e a Google (http://tvgibi.com.br/);
- Luciano Pires, um bem-sucedido executivo do setor de autopeças que teve peito para largar tudo e iniciar um empreendimento cujas ações não param de crescer, o Portal Café Brasil (http://www.portalcafebrasil.com.br/);
- Por quê? – Economês em bom português, um site que transforma em simples o complexo de forma inovadora e inteligente (http://porque.com.br/).
A todos os meus cumprimentos pelo excelente trabalho desenvolvido e aos amigos internautas, um 2016 repleto de saúde e paz!
Referências e indicações bibliográficas
FLORIDA, Richard. A ascensão da classe criativa. Tradução de Ana Luiza Lopes. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
______________ O grande recomeço: as mudanças no estilo de vida e de trabalho que podem levar à prosperidade pós-crise. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
GOLDENSTEIN, Lídia. Economia Criativa. Digesto Econômico, Ano LXIII, Nº 479, julho/agosto de 2014, pp. 30-31.
HOWKINS, John. A economia criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas. Tradução de Ariovaldo Griesi. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda., 2013.
PLANO da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011-2014. Brasília: Ministério da Cultura, 2012.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.
_______________ Jeromin: memórias de um capataz. São Paulo: Biblos Editora, 2014.
Referências e indicações webgráficas
BLOG do Sandroni. http://sandroni.com.br/.
MACHADO, Luiz Alberto. Economia criativa: definições, impactos e desafios. Revista de Economia & Relações Internacionais, nº 21, julho de 2012, pp. 84-109. Disponível em http://www.faap.br/faculdades/economia/ciencias_economicas/pdf/REVISTA_ECONOMIA_21.pdf.
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