8º mandamento para um bom governo

Simplificarás os trâmites administrativos

 

“Se fosse necessário estudar todas as leis

jamais se teria tempo de transgredi-las.”

Goethe

 

Com o objetivo de atrair todos os investimentos possíveis, locais e estrangeiros, o presidente Lula, em seu novo mandato, deverá abolir inúmeros requerimentos exigidos para a permissão de funcionamento de uma empresa e simplificar os trâmites requeridos para registrar um negócio formalmente no País.

É preciso erradicar os obstáculos e as barreiras que elevam o custo de investir no Brasil, assim como é necessário criar um ambiente propício que seja uma garantia permanente de respeito à propriedade e ao investimento, tanto de agentes nacionais como de estrangeiros. Isto implica, inevitavelmente, em desregulamentação e desburocratização.

Dois dos mais importantes relatórios publicados anualmente por organismos internacionais corroboram essa necessidade, o Doing Busineess, produzido pelo Banco Mundial, e o World Investment Report, elaborado e divulgado pela UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Ambos revelaram, em suas edições de 2006, que o Brasil apresentou desempenho pífio, ocupando posição medíocre no ranking mundial de competitividade e perdendo posição relativa na disputa pelos investimentos estrangeiros.

No relatório do Banco Mundial, que compara a dificuldade para fazer negócios em 175 países com base em 10 indicadores, o Brasil ficou na 121ª posição, num ranking que teve Cingapura em primeiro lugar, e a República Democrática do Congo em último. Manteve-se, dessa forma, praticamente na mesma ridícula posição do ano anterior, quando ocupou a 122ª colocação. Só para se ter uma idéia de nossa péssima colocação, entre os países da América do Sul ficaram à nossa frente o Chile (28º), o Uruguai (64º), o Peru (65º), a Colômbia (79ª), a Argentina (101ª), e o Paraguai (112º). Se estendermos a comparação para a América Latina e o Caribe, a situação piora muito, uma vez que ficam à nossa frente também Porto Rico (19º), Santa Lucia (27ª), Antigua e Barbuda (33ª), México (43º), Saint Vincent e Granadines (44º), Jamaica (50ª), Belize (56ª), Trinidad e Tobago (59º),  Nicarágua (67ª), El Salvador (71º), Dominica (72ª), Granada (73ª), Panamá (81º), Costa Rica (105ª), Honduras (111º), República Dominicana (117ª) e Guatemala (118ª). Em alguns indicadores, em especial aqueles que estão relacionados com a  questão dos trâmites burocráticos, a classificação do Brasil é desastrosa: 115º no quesito “Começar um negócio”; 139° no quesito “Obtenção de licenças”; 124° no quesito “Registro de propriedades”; 151° no item “Pagamento de taxas”; 120° no item “Firmando contratos”; e 135° no quesito “Fechar de um negócio”.

Já no relatório da UNCTAD, o Brasil continua sem saber como aproveitar o que a globalização tem de melhor e, com isso, como observa Cláudio Haddad, vem revelando uma atitude “de coadjuvante passivo e relutante”, ao contrário de outros países emergentes que tem se aproveitado muito mais das condições oferecidas pela conjuntura internacional.

Em artigo recém publicado, Haddad, que além de um bem sucedido executivo do mercado financeiro é diretor das Faculdades IBMEC, analisou muito bem a performance brasileira, pelas duas óticas focalizadas pelo relatório da UNCTAD. Sob a ótica do recebimento de investimentos diretos estrangeiros (IDE), escreve:

A participação do Brasil em IDE ainda é tímida em relação a seu potencial, com a entrada líqüida no país e o investimento no exterior igualando US$ 15,1 bilhões e US$ 2,5 bilhões em 2005, respectivamente. Embora o país tenha ficado em quarto lugar entre os emergentes receptores de IDE, o saldo acumulado, igual a 25% do PIB, o coloca abaixo da média (30%) daqueles países, excluindo a China. O fluxo médio anual de entradas de 2002 para cá (US$ 15 bilhões), é também quase a metade do verificado nos quatro anos antecedentes (US$ 28,2 bilhões). Como os fluxos médios de IDE para os países emergentes aumentaram ao longo deste período, o Brasil vem perdendo posição relativa na atração de investimentos estrangeiros. O fechamento de um ciclo de privatizações, junto com o baixo dinamismo da economia, explica parte do fenômeno, assim como um ambiente não muito favorável a negócios, como mostram os estudos do Banco Mundial.

Já sob a ótica dos investimentos no exterior, observa Haddad:

A participação do Brasil ainda é mais modesta em investimentos no exterior. Um índice de desempenho, calculado pela UNCTAD dividindo-se a participação relativa nos fluxos de saída pelo PIB relativo, dá para o Brasil um valor de 0,42, colocando-o na 41ª posição no mundo. O total de IDE de brasileiros, de US$ 71,6 bilhões, é majoritariamente feito em paraísos fiscais. Esses países propiciam uma série de vantagens para o estabelecimento de empresas holding detentoras de participações acionárias, mas também possibilitam o chamado round tripping, pela qual parte dos recursos reingressa ao país em diversos formatos. Ou seja, é de se presumir que parte significativa do estoque de investimentos brasileiros no exterior não corresponda necessariamente a participações acionárias ativas em empresas estrangeiras, mas sim a investimentos financeiros, lá aportados por razões de diversificação de carteira, proteção patrimonial e vantagens fiscais, parte deles sendo reinvestidos no país quando oportuno.

Ora, sendo o Brasil um país carente de capital e tecnologia, não pode se dar ao luxo de prescindir do investimento estrangeiro e, nesse sentido, precisa mudar de atitude, abandonando a que tem assumido até aqui e passando a uma outra de “protagonista ativo e confiante”.

Para tanto, é fundamental que sejam feitas as reformas estruturais que vêm sendo adiadas há tanto tempo. E o momento de fazê-las é exatamente o do início do mandato, uma vez que a dinâmica dos mandatos presidenciais tem revelado que se essas reformas de impacto não são feitas no período inicial do mandato, quando o capital político do presidente é elevado, dificilmente o serão nas fases posteriores, quando o desgaste natural do cargo acaba reduzindo a base de apoio essencial para mudanças dessa natureza.

O Prof. Eduardo Giannetti referiu-se a esse aspecto com grande propriedade, como pode se constatar nos trechos que se seguem:

A distribuição do poder, em nosso presidencialismo, é muito desigual ao longo do tempo. Há um padrão básico na evolução das relações entre o Executivo e o Congresso durante o mandato presidencial – um padrão com graves conseqüências sobre a condução da política econômica e os esforços de ajuste fiscal. Qual é esse padrão e como entendê-lo?

O pano de fundo é um sistema partidário frouxo, fragmentário e indisciplinado. Ao assumir o cargo, o presidente possui um fabuloso capital político que lhe permite agir com grande desenvoltura, mesmo sem contar com uma maioria estável no Congresso. O Executivo está com a bola e o resto do sistema político, ainda desorganizado, não tem como resistir às iniciativas do novo presidente. É a lua-de-mel com o poder.

Com o tempo, contudo, esse quadro rapidamente se altera. A situação econômica não melhora, as promessas de campanha não se materializam, os lobbies e interesses corporativos se rearticulam, governadores e estatais assumem as rédeas de suas bancadas. A contrapartida de tudo isso é que o capital político do presidente vai se depreciando a uma taxa determinada pelo desgaste, inépcia, falta de liderança e lassidão moral do chefe do Executivo.

Este fenômeno, a bem da verdade, é bastante antigo, tendo sido destacado por Thomas Skidmore, um dos mais famosos brazilianists (americanos que se especializaram no estudo do Brasil). Num de seus livros mais conhecidos, Brasil – de Getúlio a Castelo, ele afirma que “só existe governo no Brasil durante a primeira metade do mandato presidencial – a outra metade é consumida elegendo o próximo presidente”.

Como se vê, a perversa combinação do excesso de trâmites burocráticos, elevado nível de tributação e desrespeito sistemático aos direitos de propriedade, além de contribuir para o baixo nível de investimento que caracteriza o passado recente do País, concorre para a manutenção da elevadíssima informalidade praticada entre nós, com todos os inconvenientes que isso acarreta. Diante desse quadro, a redução dos trâmites administrativos e as imprescindíveis reformas estruturais apresentam-se como fatores chave para o novo mandato do presidente Lula: se forem feitas, o Brasil terá grande chance de voltar a ocupar posição de destaque no cenário internacional; caso contrário, provavelmente continuará acumulando decepções a cada nova publicação desses importantes relatórios divulgados pelos organismos internacionais.