Economia e educação 

Aula de dois mil réis

 

“Se você acha que a educação custa caro,

experimente a ignorância.”

Derek Bok

 

Apesar das terríveis notícias que estão vindo a público nos diferentes veículos da mídia, dando conta da enorme corrupção que assola parte considerável da classe política em nosso país, tive a oportunidade de viver grandes momentos nas últimas semanas.

No dia 28 de junho, na Casa das Rosas, ocorreu o lançamento do livro História da Escola em São Paulo e no Brasil, da Profª Maria Luiza Marcílio, seguramente uma das obras mais sérias em termos de pesquisa sobre a educação brasileira.

A primeira semana de julho, passei em Natal, com minha mulher e meu filho, uma excelente maneira de comemorar os meus 50 anos. Foi realmente muito gostoso. Não apenas pela chance de conviver em tempo integral com eles – coisa quase impossível na correria do dia-a-dia – mas também porque Natal é uma prova viva do incrível potencial que o País possui. Estive em diversas localidades e pude perceber como a região evoluiu em termos de infra-estrutura turística nos últimos quatro ou cinco anos. Com isso, consegue atender satisfatoriamente o elevado contingente de turistas, em especial europeus, que para lá se dirigem. Foi o que pude constatar em conversas rápidas mantidas com espanhóis, portugueses, holandeses, alemães e até noruegueses. Estavam todos encantados com as belezas da região.

Como educador que gosta do que faz, procurei observar em diversos lugarejos por que passei a situação das escolas. Uma coisa que me chamou a atenção foi a existência de muitas escolas abertas, apesar de ser período de férias escolares. E não apenas abertas, mas com movimento, tanto de alunos como de professores. Considerei este fato alentador, pois reforça a impressão positiva referente à ampliação do acesso ao ensino fundamental verificado no País nos últimos 10 anos. É claro que a qualidade do ensino, ainda precisa melhorar muito, mas demos um passo enorme em direção à universalização do acesso à educação, e isso é louvável.

Para melhorar a qualidade, no entanto, vamos necessitar de vultosos investimentos, tanto em instalações físicas, já que as instalações da maioria das escolas são muito precárias, como, principalmente, na preparação de professores. E isso não é novidade. Na leitura do livro da Profª Maria Luiza Marcílio ou observando a situação das escolas da região litorânea do Rio Grande do Norte, constata-se claramente que os recursos destinados à educação continuam muito aquém do necessário para o tamanho do desafio que temos pela frente numa época em que o conhecimento se constitui talvez no maior patrimônio de qualquer nação. E, dentre todos os investimentos que a educação precisa, o maior, sem sombra de dúvida, tem que recair no professor: no seu preparo e na sua remuneração.

Mesmo reconhecendo que os obstáculos a serem enfrentados nessa área são muito grandes, uma vez que a complexidade é enorme, as variáveis envolvidas são muitas e, como sempre, os recursos apresentam elevado grau de escassez quando comparados às vultosas necessidades de investimentos, não gostaria de deixar passar a oportunidade de abordar esse assunto no espaço desta coluna.

Continuo presenciando, de tempos em tempos, manifestações de professores de várias categorias, reivindicando melhores condições de trabalho. Ainda que este seja apenas um aspecto inserido num contexto muito mais amplo, não há dúvida de que é, de fato, um dos maiores responsáveis pelo quadro ainda problemático da educação em nosso país. As condições vividas pela classe docente, sobretudo nas regiões mais carentes, fazem com que os professores não tenham qualquer motivação para bem desempenhar seu importantíssimo papel na formação técnica e humana da nossa juventude.

O problema, porém, é muito antigo. Para ilustrá-lo, recorro a uma passagem que já faz parte de nosso folclore. Não se sabe se real ou não, mas ideal para bem demonstrar a antiguidade do problema.

Ainda no Império, numa homenagem à figura do Imperador, determinado colégio foi batizado com seu nome. Tratava-se de uma das escolas mais respeitadas da época, freqüentada por filhos da aristocracia local. Entretanto, havia um determinado professor no quadro docente da escola que era famoso por sua conduta nada elogiável: faltava constantemente, não respeitava horários, dava aulas mal preparadas e outras coisas desse gênero. Isso fez com que diversas reclamações chegassem, inclusive, aos ouvidos do Imperador. Este, para certificar-se, fez uma visita de surpresa ao colégio. Recebido pelo diretor, foi logo dizendo que gostaria de assistir a uma das aulas do referido professor. O diretor, conhecedor da situação, procurou dissuadi-lo, convidando-o a assistir a outras aulas. Como o Imperador permaneceu irredutível, dirigiram-se à sala em que o professor se encontrava.

O que se assistiu a seguir foi uma aula extraordinária, capaz de ser ministrada apenas por professores de alto gabarito. Os dois ilustres visitantes, assim como os alunos, presenciaram brilhante exposição.

O diretor da escola e o Imperador, estupefatos, deixaram o recinto antes do término da aula, comentando, entre si, a improcedência das acusações feitas ao professor.

Na sala, após certificar-se de que os visitantes já se haviam retirado, o professor teria dito a seus alunos:

– “Bem, vamos voltar à aulinha de dois mil réis!”.

E pensar que enquanto milhares de professores se esforçam para tirar leite de pedra, exercendo condignamente a sua profissão, em condições adversas, e recebendo baixíssimos salários por seu trabalho, parte considerável de nossos políticos pratica toda sorte de desmandos e maracutaias, desviando polpudos recursos públicos e fazendo do Brasil um triste exemplo do que pior existe em termos de corrupção.

Mas, apesar de tudo isso, o Brasil resiste. Já imaginaram o que seria deste país se apenas o dinheiro que é desviado fosse utilizado para remunerar melhor os nossos professores, construir, manter e equipar nossas escolas? Com certeza, bons frutos, como a explosão do turismo em Natal, se multiplicariam em todo o território nacional.

Será que vou viver para ver?

Referências e indicações bibliográficas

DRÜGG, Kátia Issa e ORTIZ, Dayse Domene. O desafio da educação: a qualidade total. São Paulo: Makron Books, 1994.

GUILLON, Antonio Bias Bueno e MIRSHAWKA, Victor. Reeducação: qualidade, produtividade e criatividade: caminho para a escola excelente do século XXI. São Paulo: Makron Books, 1994.

MARCÍLIO, Maria Luiza. História da escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/ Instituto Fernand Braudel, 2005.

SENGE, Peter et al. Escolas que aprendem: um guia da Quinta Disciplina para educadores, pais e todos que se interessam pela educação. Tradução de Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2005.

SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. Tradução de P. S. Werneck, revisão técnica de Calogeras A. Pajuaba, 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

___________________. Investindo no povo. Tradução de Elcio Gomes de Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

Referências e indicações webgráficas

CASTRO, Cláudio de Moura. Por que se aprende tão pouco na periferia da Grande São Paulo? Disponível em http://www.braudel.org.br/paper33b.htm

INSTITUTO Fernand Braudel de Economia Mundial. Odisséia nas Escolas. Disponível em http://www.braudel.org.br/paper30b.htm.

MARCÍLIO, Maria Luiza. O atraso histórico na educação. Disponível em http://www.braudel.org.br/paper30a.htm.

MARQUES, Luiz. Por que eles não conseguem ler? Disponível em http://www.braudel.org.br/paper31b.htm.

NÓBREGA, Maílson da. Lembranças de um aluno pobre. Disponível em http://www.braudel.org.br/paper30c.htm.

SILVA, Sandra Luz da. Diário de aulas. Disponível em http://www.braudel.org.br/paper31a.htm.

WREFOND, Jane. Gestão do ensino público em São Paulo. Disponível em http://www.braudel.org.br/paper33a.htm.