A dura convivência da economia com a política

 

Uma semana para o governo esquecer

 

“O que é público e notório dispensa provas.”

José Dirceu

(por ocasião da sessão de cassação do mandato do deputado

 Ricardo Fiúza, conforme relato do deputado Alberto Goldman)

 

A semana que abrangeu os últimos dias de novembro e os primeiros de dezembro ficará, seguramente, registrada na cabeça do presidente Lula como a pior, até agora, nos seus quase três anos de governo.

As semanas que a antecederam, já não foram nada boas, funcionando quase como um prenúncio do que estava por vir. Não bastassem as denúncias sobre corrupção envolvendo o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que o obrigaram a dois comparecimentos consecutivos a órgãos do Legislativo para desgastantes sabatinas, as constantes críticas de membros do próprio governo, em especial o da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à política econômica comandada pelo ministro Palocci exigiram a interferência do presidente Lula para pedir uma trégua, já que tal tipo de desentendimento servia, evidentemente, como um fator de desgaste a mais para um governo já suficientemente desgastado.

A semana, em si, foi marcada por duas notícias terríveis para o governo: a divulgação, pelo IBGE, do índice de crescimento da economia no terceiro trimestre, que foi de -1,2% e a cassação do mandato do deputado José Dirceu, que por 30 meses foi o ministro chefe da Casa Civil e principal articulador político do governo.

Essas notícias tiveram enorme repercussão, como não poderia deixar de ser, ocupando grande parte do noticiário dos diferentes veículos de mídia nos dias subseqüentes.

Quanto à cassação do deputado José Dirceu, não se pode dizer que houve surpresa. Apesar dos esforços pessoais do próprio deputado (e de uma pequena parcela de membros do PT que se uniram a ele) na tentativa primeiro de prorrogar a sessão que julgaria a proposta de cassação e, depois, de convencimento de parlamentares de sua inocência, a verdade é que José Dirceu havia se tornado, para a opinião pública, a figura central do esquema de corrupção que veio a público com as denúncias do ex-deputado (também cassado) Roberto Jefferson. Qualquer decisão diferente por parte do Congresso seria entendida como “pizza” pela opinião pública, com possíveis conseqüências eleitorais terríveis para os parlamentares participantes dessa votação. Mesmo que todos os outros envolvidos viessem a ser cassados na seqüência, a opinião pública dificilmente mudaria seu ponto de vista, afinal, o “chefe” de todo o esquema teria sido poupado.

Por isso, a cassação de José Dirceu não pode ser considerada uma surpresa, restando apenas acompanhar de agora em diante para ver quais as conseqüências disso para o governo do presidente Lula e para o PT. Uma coisa é certa. Com a cassação de José Dirceu, o primeiro político do PT a sofrer esse tipo de punição (outros estão entre os indicados à espera de seus respectivos julgamentos), está inexoravelmente extinta a aura que o partido procurou ostentar por longos anos de ser o partido da ética, diferente de todos os demais. E, além disso, é inegável que na cabeça da grande maioria das pessoas permanece a dúvida a respeito de quanto o presidente Lula não só sabia, mas mais do que isso, até onde estava envolvido em todo esse esquema de corrupção, tráfico de influência e malversação de recursos públicos envolvendo membros da base de apoio de seu governo.

Já cm relação ao crescimento negativo da economia brasileira no terceiro semestre, a notícia não poderia ter vindo em pior hora. Em primeiro lugar, porque recoloca o ministro Palocci, principal responsável pela política econômica que vem sendo adotada no País, à frente dos holofotes, como alvo de críticas contundentes vindas de setores tão díspares como, de um lado, a FIESP e as principais entidades representativas do setor empresarial, e, de outro, as principais centrais sindicais, como a CUT e a Força Sindical. Em segundo lugar, porque evidencia que o Brasil fechará o ano de 2005 com um crescimento econômico reduzido – em torno de 3%, num ano em que a conjuntura internacional mostrou-se bastante favorável e no qual os países de renda média ou perfil parecido com o nosso e que concorrem com o Brasil pelos investimentos estrangeiros como Coréia, Índia, China, Rússia e outros estarão crescendo em torno de 5 ou 6%, ou seja, o dobro ou ainda mais do que o Brasil.

O presidente Lula, o ministro Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, logo vieram a público com declarações apaziguadoras, com o objetivo de tranqüilizar a população, argumentando que o resultado era normal (talvez um pouco pior do que o esperado) e que a tendência de crescimento a longo prazo não seria rompida com esse número. E, para explicar o mau desempenho “pontual” atribuíram a responsabilidade aos efeitos da crise política na economia. Diretores do Banco Central chegaram a ir além, pondo em dúvida a validade da metodologia utilizada pelo IBGE na elaboração do indesejado índice (como se não fosse a mesma metodologia utilizada na elaboração de índices anteriores positivos e altamente comemorados pelos mesmos que agora a estão questionando). O fato trouxe-me à memória um passado não tão distante, em que nosso cenário econômico combinava doses perversas de inflação crônica, estagnação prolongada e crise das dívidas – ora interna, ora externa, ora as duas combinadas – em que diferentes governos substituíam a entidade responsável pela divulgação do índice oficial da inflação, a cada vez que o resultado ficava acima do que era desejado pelo governo. Recorrendo a uma analogia muito utilizada, é como se o médico trocasse o termômetro toda vez que a febre atingisse uma determinada temperatura.

Mesmo sabendo que a influência da crise política está longe de explicar sozinha o pífio desempenho da economia, uma vez que isso reduziria a zero o impacto da política monetária mais do que austera e do câmbio sobrevalorizado, esse episódio acompanhado de suas repercussões recoloca a dura convivência entre a política e a economia, relação nem sempre examinada com rigor nem na cobertura regular da imprensa, mesmo da especializada, nem em muitos dos cursos de economia ministrados em nosso país.

Em muitos casos, talvez, por desconhecimento de importantes linhas de pesquisa que vem sendo desenvolvidas no Brasil e no exterior, tendo por principal foco a inter-relação da política, do direito e da economia. Essas diversas correntes de interpretação têm em comum o fato de se preocuparem com a importância fundamental das instituições jurídicas e políticas para o funcionamento da economia. Embora com diferentes nuances, todas elas procuram mostrar que “regras do jogo” transparentes, estáveis e que privilegiem a competência e não o privilégio são indispensáveis para uma boa avaliação da “qualidade dos jogadores”, quais sejam, dos agentes econômicos. As principais dessas correntes são: a Teoria da Escolha Pública, de James Buchanan e Gordon Tullock (e que tem no Prof. Jorge Vianna Monteiro seu provável maior expoente no Brasil); a Escola Neoinstitucionalista, de Douglass North e Oliver Williamson; e a Escola do Direito de Propriedade, de Ronald Coase e Gary Becker, entre outros.

Vale a pena conhecê-las. A partir daí, amigo internauta, ficará mais fácil – ou, menos difícil – entender o que se passa com a política e com a economia brasileira.

Referências e indicações bibliográficas

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SAMPLES, John. Financiamento de Campanhas pelo Governo: Escolha pública e valores públicos. Encarte Especial da Revista Think Tank nº 27 – Ano VIII – Jun/Jul/Ago 2004.

SENNA, José Júlio. Os parceiros do rei: herança cultural e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

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