20 anos sem o Muro da Vergonha

 

Minhas memórias do socialismo

 

“Too old to rock’n roll,

too young to die.”

Jethro Tull

 

No dia 9 de novembro, há vinte anos, caiu o Muro de Berlim, que, mais do que separar um país – a Alemanha – em dois, foi símbolo da divisão do mundo em dois grandes blocos, o capitalista e o socialista. Foi, nesse sentido, o retrato do mundo da Guerra Fria, dividido em duas grandes superpotências, lideradas respectivamente pelos Estados Unidos e pela União Soviética.

Na passagem do vigésimo aniversário da queda do Muro, os meios de comunicação deram grande destaque ao fato e um dos pontos altos da cobertura do tema foi, a meu juízo, a série de reportagens veiculadas pelo Jornal da Globo, num notável trabalho do jornalista – e  professor – William Waack.

Num dos programas dessa série, William Waack entrevistou uma família que vivia e continua vivendo na parte oriental da Alemanha. No encerramento desse programa, uma das mulheres da família rememorou o que disse na época da queda do Muro, quando tinha 40 anos de idade: “Sou muito nova para me aposentar, mas muito velha para começar uma vida nova”. Tão logo ouvi essa frase, recordei-me do LP (long play, para quem não sabe o que significa) de uma das minhas bandas preferidas, o Jethro Tull, liderada pelo fantástico Ian Anderson, cujo título era o utilizado na epígrafe deste artigo.

A queda do Muro, efusivamente comemorada na época, é vista também como um marco da implosão da União Soviética e da transição para a democracia e o capitalismo dos países da antiga Cortina de Ferro, que viviam sob o jugo do império soviético: Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia e Bulgária – sem contar a Albânia e a antiga Iugoslávia.

Do muito que se escreveu na época, creio que a maior repercussão coube a um artigo publicado numa revista acadêmica por um funcionário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, chamado Francis Fukuyama. Intitulado O fim da história (depois ampliado e transformado em livro com o título O fim da história e o último homem), propunha, provocativamente, que a queda do Muro era a prova definitiva da superioridade do regime democrático e da economia de mercado.

Hoje, vinte anos depois, muita água já passou debaixo dessa ponte e muito do que era visto como certeza desaguou numa série de dúvidas e interrogações.

Quero, no entanto, compartilhar com os amigos internautas que têm me prestigiado há anos com a leitura dos meus artigos, as três experiências – rápidas, é bem verdade – que tive oportunidade de viver em países que são sempre lembrados como paradigmas do socialismo: Rússia, Cuba e China.

Estive na Rússia em 1972, em plena época de Brejnev, no auge dos meus 17 anos. Fiquei por lá durante uma semana como integrante de um time de basquete e, em que pese meu conhecimento limitado do mundo, lembro-me perfeitamente da impressão que levei de lá. Achei a experiência interessante, fiquei impressionado com a grandeza das coisas, mas minha conclusão foi muito clara: “se é isso que o socialismo tem para oferecer, muito obrigado, mas quero distância dele”.

Já Cuba eu tive chance de conhecer em 1999, bem mais maduro e com muito mais vivência. Minha permanência, uma vez mais, foi de apenas uma semana, mas o suficiente para confirmar o que eu já imaginava que ia ver: um país paupérrimo, com uma população que vivia com enormes dificuldades. Até as tão propaladas maravilhas de Cuba, como a saúde e a educação, passaram a ser vistas por mim com enormes reservas. Se, por um lado, a medicina praticada era fortemente condicionada pela obsolescência dos equipamentos e pela falta de recursos nos hospitais, por outro, a educação fornecida não se traduzia em condições mínimas de produção capaz de fornecer ao povo cubano bens e serviços que lhe conferissem um padrão de vida digno. Saí de lá com pena do povo cubano, impressão reforçada pelo depoimento da blogueira cubana Yoani Sánchez, em recente entrevista para a revista Veja:

Cuba só é reverenciada por quem nunca morou aqui. Eu já conheci um montão de gente que idolatrava Fidel e, depois de um mês vivendo conosco, mudou de opinião. Quando as pessoas descobrem como é receber em moeda sem valor, enfrentar as filas de racionamento ou depender do precário transporte público, começam a pensar de modo mais realista. Não estou falando dos turistas que ficam uma semana, dormem em hotéis cinco estrelas e andam em carros alugados. Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá, sentir na pele como vivemos.

A China foi o terceiro desses três países que tive oportunidade de conhecer, em julho último, quando passei pouco mais de duas semanas no país, liderando uma missão estudantil composta por alunos da FAAP. E, ao contrário do que havia ocorrido com Rússia e Cuba, voltei de lá impressionado com o que vi, em especial o vigor da economia chinesa. Só que esse vigor não tem nada a ver com o socialismo (ou comunismo) de Mao Tsé-tung, pois o extraordinário crescimento de quase 10% ao ano que se prolonga já por três décadas só teve início com as reformas lideradas por Deng Xiaoping, permitindo a livre iniciativa, abrindo a economia para o capital estrangeiro e ampliando significativamente a participação do país no comércio exterior.

Três viagens, três momentos diferentes da minha vida, três notáveis experiências. Fui, sem dúvida, um privilegiado por ter tido essas oportunidades. Elas me deram uma certeza: não há dúvida de que a teoria socialista é muito bonita, assim como o ideal de um mundo sem desigualdade. Pena que, na prática, as coisas tenham sido tão diferentes. Diante disso, faço eco às palavras de Yoani Sánchez: “Convido quem vê Cuba [a Rússia socialista e a China de Mao] como um exemplo a ir para lá, sentir na pele como vivem(ram) os povos desses países”.

 

 

Referências e indicações bibliográficas

BRAGA, Humberto. O oriente é vermelho. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

GIFFONI, Luís. China, o despertar do dragão: viagem ao milagre econômico chinês. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2007.

SÁNCHEZ, Yoani. De Cuba, com carinho. Tradução de Benivaldo Araújo e Carlos Donato Petrolini Junior. São Paulo: Contexto, 2009.

TREVISAN, Cláudia. China: o renascimento do império. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2006.

______________ Os chineses. São Paulo: Contexto, 2009.

Referências e indicações webgráficas

MACHADO, Luiz Alberto. Cuba sem Fidel – Como será? Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=7500.

______________ Impressões da China (1) – Sob o signo da transitoriedade. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=11664.

______________ Impressões da China (2) – Impacto da crise e necessidade de mudança. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=11736 

______________ Impressões da China (3) – Contradições e desafios. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=11798.

______________ Impressões da China (4) – Infraestrutura viária: um show à parte! Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=11798.

______________ Impressões da China (5) – Negócios na China. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=12017.

TEIXEIRA, Duda. As três mentiras de Cuba. Entrevista com Yoani Sánchez nas páginas amarelas da revista Veja, edição nº 2133, de 7 de outubro de 2009. Disponível em http://veja.abril.com.br/071009/tres-mentiras-cuba-p-19.shtml.