O tempo e a economia V

 

O valor do amanhã

 

“O tempo é um ativo escasso

que tem usos alternativos”.

Eduardo Giannetti

 

Em agosto de 2003, durante o almoço que se seguiu à palestra do Prof. John Williamson, considerado o pai do Consenso de Washington, na abertura da Semana da Economia da FAAP, ouvi, em primeira mão, do Prof. Eduardo Giannetti, que ele se encontrava em fase de pesquisas com o objetivo de escrever um livro sobre ética e juros. O assunto “taxa de juros” já se constituía, naquela época, num dos principais focos do noticiário econômico veiculado pelos diferentes segmentos da mídia. A expectativa em torno das reuniões do COPOM (Conselho de Política Econômica), encarregado de definir a taxa básica de juros da economia, criava – e continua criando – um clima de quase paranóia, o que levou o economista Paulo Rabello de Castro a cunhar a expressão “tensão pré-COPOM”, numa analogia com a famosa TPM feminina.

Pensei comigo: “Um livro sobre ética e juros? Além de tentar conciliar inconciliáveis, acho que pela primeira vez vou me decepcionar com um livro do Eduardo. Afinal, um livro sobre juros deverá ser de leitura pesada, cheio de cálculos e fórmulas matemáticas, de difícil compreensão até mesmo para economistas experimentados”.

Tal impressão desaparece integralmente para quem tem o privilégio de ler O valor do amanhã, título do livro a que o Prof. Giannetti havia se referido naquele almoço. Tal impressão, aliás, não é só minha. Diversos alunos de graduação em economia da FAAP, aos quais indiquei a leitura do livro como parte integrante do meu curso de história do pensamento econômico, manifestaram essa mesma sensação em resenha que fizeram numa das avaliações do semestre. Ana Paula S. S. Campos, por exemplo, inicia assim a sua resenha: “Quem começa a ler o livro de Eduardo Giannetti pensando que o livro trata de juros focando só a economia se surpreende logo nas primeiras páginas e, por assim dizer, no resto do livro também. Creio que esta foi a idéia do autor, mostrar como os juros estão inseridos no nosso cotidiano, na nossa vida, sem ao menos recorrer ao economês”.

Abro um parêntesis a partir desse comentário. Eduardo Giannetti possui, efetivamente, essa virtude destacada pela Ana Paula, qual seja, a de escrever de forma simples sobre temas por vezes bastante complexos. Tal virtude é rara entre os economistas, que com freqüência abusam de um linguajar rebuscado e de um jargão próprio, inacessível para a esmagadora maioria das pessoas. Aproveito, nesse ponto, para fazer uma comparação e uma homenagem. No que tange a essa virtude – escrever com simplicidade sobre temas complexos – Giannetti se assemelha muito ao Prof. John Kenneth Galbraith, um dos grandes nomes da ciência econômica de todos os tempos, falecido dia 28 de abril último, aos 97 anos de idade. Lamentavelmente, este mérito nem sempre é bem compreendido por segmentos consideráveis da intelectualidade, que insistem em confundir simplicidade com superficialidade, negando aos possuidores desta rara virtude o “aval de qualidade e rigor científico”, tão valorizado pela Academia.

A questão central focalizada por Eduardo Giannetti em O valor do amanhã é, em última análise, a questão crucial da vida de qualquer pessoa – e não só dos economistas, embora estes tenham que fazê-lo o tempo todo e em caráter profissional: a necessidade de fazer escolhas e tomar decisões. Daí advém a idéia fundamental contida em todo o livro: antecipar custa, retardar rende. É esse tipo de opção que se nos apresenta toda vez que, em função da escassez de recursos, somos obrigados a fazer escolhas por meio das quais ao elegermos uma determinada coisa, renunciamos a muitas outras. E, como sabemos, renunciar não é nada fácil!

Como assinala Eduardo Giannetti logo no Prefácio de seu livro:

O desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. O animal humano adquiriu a arte de fazer planos e refrear impulsos. Ele aprendeu a antecipar ou retardar o fluxo das coisas se modo a cooptar o tempo como aliado dos seus desígnios e valores. Isto agora ou aquilo depois? Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? Ousar ou guardar-se? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que deixemos de fazê-las, agindo sob a hipnose do hábito ou em estado de “venturosa inconsciência”, elas serão respondidas por meio de nossas ações. Das decisões cotidianas ligadas a dieta, saúde e finanças às escolhas profissionais, afetivas e religiosas de longo alcance, as trocas no tempo pontuam a nossa trajetória no mundo.

Há dois aspectos que eu gostaria de destacar sobre o livro e seu respectivo autor. O primeiro diz respeito ao enorme lastro cultural revelado por Eduardo Giannetti, que se evidencia pelo vasto leque de áreas do conhecimento de que ele se utiliza para construir analogias e metáforas bastante criativas com as quais ilustra os principais conceitos contidos no texto. O segundo refere-se ao profundo e cuidadoso trabalho de pesquisa, aliás, uma marca registrada dos livros escritos por ele. Não é para menos que ele tem se utilizado de um dos mais agradáveis e charmosos recantos do País, a pousada Solar da Ponte, situada na cidade histórica mineira de Tiradentes, para se refugiar e encontrar o ambiente ideal para um trabalho de tamanho fôlego e de tamanha qualidade. Diante disso, fica fácil entender os motivos pelos quais o livro exigiu tanto tempo deste que é, sem qualquer favor, um dos mais brilhantes economistas brasileiros da atualidade.

Na verdade, dois fatores essenciais da atividade do economista aparecem combinados praticamente no transcorrer de todo o livro: o fator tempo e o fator escassez – que, diga-se de passagem, pode ser do próprio fator tempo. O grande escritor T. S. Elliot é mencionado no livro por ter afirmado que “somente por meio do tempo o tempo é vencido”. Vou também concluir esta resenha com uma passagem do livro sobre o fator tempo. Ela revela, a meu juízo, a enorme criatividade que, de certa forma, diferencia Eduardo Giannetti dos outros economistas:

Poucas áreas da existência humana revelam de forma tão contundente os limites da racionalidade econômica como o uso do tempo. Não menos que a fé na embriaguez, a intensificação da consciência da passagem do tempo e do imperativo de usá-lo racional e calculadamente pode se tornar um estado mórbido. Existe algo profundamente errado com a idéia de transpor para o emprego do tempo a lógica maximizadora da utilidade e do dinheiro.

O paradoxo é claro. Quanto mais cuidamos de usar racionalmente o nosso precioso tempo, mais o vírus da pressa, a espora da aflição e o fantasma do desperdício nos perseguem. Quanto mais calculamos o benefício marginal de uma hora “gasta” desta ou daquela maneira, mais nos afastamos de tudo aquilo que gostaríamos que ela fosse: um momento de entrega, abandono e plenitude na correnteza da vida. Na amizade e no amor; no trabalho criativo e na busca do saber; no esporte e na fruição do belo – as horas mais felizes de nossas vidas são precisamente aquelas em que perdemos a noção da hora. O excesso de juízo carece de juízo.

Nem parece que foi escrito por um economista, não é mesmo?

 

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas

GIANNETTI, Eduardo. Liberalismo X Pobreza. São Paulo: Inconfidentes, 1989.

______________ Beliefs in action. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

______________ Vícios privados, benefícios públicos? A ética na riqueza das nações. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

______________ As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995.

______________ Auto-engano. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

______________ Nada é tudo: ética, economia e brasilidade. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

______________ Felicidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

______________ O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

 

Referências e indicações webgráficas

http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Giannetti_da_Fonseca.

MACHADO, Luiz Alberto. Grandes Economistas – A fina ironia de John Kenneth Galbraith. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=633.

ORDEM dos Economistas do Brasil. História do Prêmio “O Economista do Ano”. Disponível em http://www.ordeconbr.org.br/template.php?pagina=premio.htm&selected_menu=4.

REVISTA BOVESPA. Descontando o futuro. Disponível em http://www.bovespa.com.br/InstSites/RevistaBovespa/97/Livros.shtml.