Obstáculos institucionais ao crescimento II

 

Barreiras jurídicas, trabalhistas e burocráticas

 

“A liberdade dá à luz a moralidade; o estatismo, a corrupção.”

Richard M. Ebeling

 

 

Diante da necessidade, por questão de espaço, de dividir em duas partes a análise dos obstáculos institucionais à retomada do crescimento em níveis mais condizentes com a tradição histórica do Brasil a partir de uma perspectiva predominantemente microeconômica, iniciei, no artigo anterior, pelos aspectos tributários. Ao retomar a análise neste artigo, abordarei os aspectos judiciais, os trabalhistas e os burocráticos.

Começo, portanto, pelo funcionamento da Justiça no Brasil. O último estudo divulgado pelo Banco Mundial, intitulado Doing Business 2004(a versão de 2005 ainda não foi divulgada, ou, pelo menos, ainda não chegou ao meu conhecimento), revela que o Brasil tem a 30ª Justiça mais lenta do mundo, ocupando o 63º lugar num ranking de 133 países que, com os empates, acaba se reduzindo a 92 posições. Se um credor resolver recorrer à Justiça para pendências relativamente simples como fazer valer um contrato ou receber uma dívida, o tempo médio do processo será de 380 dias de tramitação, contra 7 na Tunísia, 39 na Holanda e 50 na Nova Zelândia e em Cingapura, países que se saíram melhor nesse quesito. Vale destacar que como o estudo em questão concentrou-se em quesitos de interesse empresarial, o resultado foi até favorável, comparativamente a outros estudos que examinam o funcionamento da Justiça a partir de uma perspectiva mais abrangente. Para a esmagadora maioria dos brasileiros, além de lenta, a Justiça é cara e inacessível. Nesse caso, portanto, nem todo brasileiro pode ser chamado de cidadão, já que o acesso geral à Justiça é um dos mais importantes indicadores de cidadania em qualquer país desenvolvido do mundo.

Virando o foco para o lado do empreendedor, o quadro consegue ser ainda pior. Num mundo sabidamente em transformação, em que o emprego formal está cada vez mais difícil, não tem sido pequeno o número de instituições de ensino que orientam seus freqüentadores na direção do autonegócio. Cursos de empreendedorismo multiplicam-se nos mais variados níveis: técnico, de extensão, de pós-graduação etc. Em cada um deles, exemplos e depoimentos de casos de sucesso. E total omissão sobre os fracassos, que, aliás, são muito mais numerosos do que os exemplos bem sucedidos. Como empreender com sucesso se a burocracia brasileira exige 152 dias em média para se abrir uma empresa, quando o mesmo processo leva 2 dias na Austrália, 3 no Canadá e na Nova Zelândia, e 4 na Dinamarca e nos Estados Unidos? Se abrir é difícil, fechar então é uma verdadeira loucura. O mesmo estudo utilizado pelo Banco Mundial revela que, nesse item, o Brasil só não perde para a Índia. Aqui, o processo leva, em média, 10 anos; na Índia, 11,3.

Vale destacar, nesse item, a boa novidade do governo de São Paulo, que está introduzindo uma série de mudanças exatamente com o objetivo de reduzir os obstáculos e agilizar a abertura e o fechamento de empresas no estado.

Se adicionarmos a esses aspectos a qualidade e a flexibilidade das leis trabalhistas, estaremos provavelmente mais aptos a entender porque o “espetáculo do crescimento” não depende apenas da redução da taxa básica de juros. Também entenderemos melhor a razão do incrível crescimento da informalidade.

É por todas essas razões que quem cumpre todas as exigências burocráticas, tributárias e trabalhistas merece uma estátua de herói. Ou, o que é mais provável, acaba sendo tachado de bobo…

Esse cipoal burocrático-tributário não nos permite esquecer de um traço marcante na nossa história, que nos acompanha desde a época do Brasil colônia: “é preciso criar dificuldades para vender facilidades”. Antes colocávamos a culpa nos portugueses colonizadores. E agora?

Por questões de espaço, não entrarei nos detalhes de outro estudo em que o Brasil ocupa um lugar lamentável, o da Transparency International, organização não-governamental (que possui sucursais chamados de capítulos em diversos países, entre os quais o Brasil) que compara o grau de percepção de corrupção na tramitação de negócios e de processos judiciais em diversos países. Nesse estudo, verifica-se elevada correlação entre corrupção e burocracia.

E como isso afeta a retomada do nosso crescimento?

A resposta a essa questão seria, de tão ampla, objeto de um longo artigo. Como não é o caso, gostaria, apenas para concluir, de alertar para o fato de que esses fatores elevam substancialmente os nossos custos de transação, reduzindo enormemente a competitividade dos produtos e serviços brasileiros.

Num mundo altamente competitivo como é o mundo em que estamos inseridos, e considerando,

  • que os festejados superávits comerciais observados até agora deveram-se, pelo menos em parte, ao baixo nível das nossas importações, decorrentes da estagnação da economia; e
  • que a estratégia até agora utilizada de equacionar a questão fiscal pela elevação da arrecadação está cada vez mais com os dias contados; e
  • que um País com as características do nosso não consegue suportar por muito mais tempo uma taxa média de crescimento tão medíocre e  prolongada como a que já se arrasta por mais de duas décadas,

parece  mais do que na hora das nossas autoridades trocarem o discurso de palanque pelo compromisso com a Nação, encaminhando as reformas estruturais capazes de restituir aos brasileiros as condições mínimas para estimular a produção e a geração de emprego, condições essas que fizeram com que o Brasil tivesse um dos mais espetaculares desempenhos econômicos em todo o mundo do início do século passado até o fim dos anos 70, início dos anos 80, como bem observa José Júlio Senna:

Em determinados períodos (como o compreendido entre o final do século XIX e a década de 70 do século XX), medindo-se pelo comportamento do produto interno bruto, evoluímos mais rapidamente do que a esmagadora maioria das nações.

Estima-se que, entre 1900 e 1971, o produto real do Brasil cresceu, em média, aproximadamente 5% ao ano. Em termos per capita, o índice correspondente chegou a cerca de 2,5%. Comparando-se este último resultado com os obtidos em outros países, nota-se que a taxa de crescimento da economia brasileira é equivalente à da Suécia, e inferior apenas à do Japão, em períodos semelhantes.

Como fazer isso?

Mesmo sabendo que um país é diferente do outro e que nem sempre o que dá certo num determinado país produzirá os mesmos resultados quando aplicado em outro, o mínimo que se espera é que se examinem as medidas adotadas nos países que se encontram no topo de cada ranking para ver o que foi feito e se é possível fazer algo do mesmo gênero por aqui. Algo que está muito na moda nos manuais de administração com o nome de benchmarking. Com tantas viagens na agenda, bem que o presidente, os governadores e os prefeitos poderiam delegar a uma parte de suas respectivas comitivas a responsabilidade de estudar as melhores práticas. Dessa forma, talvez ficasse mais fácil convencer os contribuintes da necessidade de tantas viagens.

Fracassar nessa missão oferece o risco de engrossar a voz do coro que já se faz ouvir cada vez mais forte na América Latina: mais desenvolvimento, menos democracia!!!

Seguramente, não é esse o meu desejo.

 

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas

BOXWELL JR., Robert J. Vantagem competitiva através do benchmarking. São Paulo: Makron, 1996.

BROM, Luiz Guilherme. O desemprego e a nova ordem produtiva: aprendendo com a crise a repensar o trabalho. Estratégica. São Paulo: FAAP, volume 2, nº 3, abril/maio/junho de 2005, pp. 29-35.

FUNDAÇÃO para o Prêmio Nacional de Qualidade. Benchmarking: Relatório do Comitê Temático. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

HADDAD, Cláudio L. S. Crescimento do Produto Real do Brasil, 1900-1947. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1978.

MADDISON, Angus. Desempenho da economia mundial desde 1870, em GALL, Norman et al. Nova era da economia mundial. São Paulo: Pioneira/Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1989.

MAIORIA na AL apoiaria ditadura ‘eficiente’. Folha de S. Paulo, 21 de abril de 2004, p. A 14.

MONTEIRO, Jorge Vianna. Lições de economia constitucional brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

NORTH, Douglass C. Custos de transação, instituições e desempenho econômico. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994.

PASTORE, José. Modernização das instituições do trabalho. São Paulo: LTR, 2005.

PRADO, Ney. Relações trabalhistas no Brasil: velhas práticas e novas realidades. Encarte especial da revista Think Tank. São Paulo: Instituto Liberal, Ano I, Nº 4, Junho/98.

SENNA, José Júlio. Os parceiros do rei: herança cultural e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995.

 

Referências webgráficas

ABRAMO, Cláudio Weber. Mensalão oficial. Disponível emhttp://www.comciencia.br/reportagens/2005/07/11.shtml.

DOING Business 2004: Understanding Regulation.Disponível em http://rru.worldbank.org/DoingBusiness/Main/DoingBusiness2004.aspx.

GALL, Norman. A democracia está ameaçada? Disponível em http://www.braudel.org.br/download/BPDemoc_port_v2.pdf.

QUESADA, Charo. O pulso da região. Entrevista com Marta Lagos, diretora e co-fundadora do Latinobarómetro. Disponível em http://www.iadb.org/idbamerica/index.cfm?&thisid=1951&articlepreview=0&.

TABAK, Israel. As duas faces da corrupção. Disponível em http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/brasil/2005/05/28/jorbra20050528002.html.