Interpretações do Brasil VI
A análise cronológica ou factual e a análise cíclica
As correntes de interpretação do Brasil apresentadas até agora nestas Iscas Intelectuais foram de caráter predominantemente econômico, embora algumas apresentassem também flagrante conteúdo histórico, como, por exemplo, as correntes marxista, estruturalista, dependentista e patrimonialista.
As duas correntes de interpretação apresentadas no artigo de hoje são, ao contrário, de caráter predominantemente histórico, ainda que a visão cíclica possa também se apresentar com viés acentuadamente econômico.
Tratam-se, a rigor, de duas formas pioneiras de interpretar a história, caracterizando-se muito mais pela preocupação de registrar os principais fatos, isoladamente ou em blocos, do que em analisá-los criticamente. Outra característica desses modelos de análise é a falta de maior preocupação com o estabelecimento de relações de causalidade entre os diferentes fatos elencados, justamente uma das principais preocupações dos modelos de análise mais recentes e sofisticados.
1. Modelo cronológico ou factual
Caracterização
Procura apontar os principais fatos ocorridos no cenário sócio-político-econômico, normalmente ordenando-os em seqüência cronológica, e sem maior preocupação de interpretá-los ou analisá-los.
Tal forma de interpretar a história transformava-a numa disciplina estanque, na qual decorar datas, nomes e fatos tornava-se o principal objetivo. Muita gente tem verdadeiro trauma do estudo da História, e esse trauma decorre, quase sempre, das exigências, muitas vezes descabidas, de professores que se utilizavam deste modelo de análise atualmente considerado bastante ultrapassado.
Quantos, da minha geração, não ouviram broncas homéricas de seus pais com o seguinte argumento: “Seu vagabundo, tirando nota baixa em História! Em Português ou Matemática, ainda dá pra aceitar, pois são matérias difíceis, que envolvem muitos conceitos e raciocínios complexos. Mas em História e Geografia, matérias em que basta decorar o assunto, isso é inadmissível!!!”. E haja castigo…
Principais nomes
- Capistrano de Abreu
- Pandiá Calógeras
- Rocha Pombo
- Oliveira Vianna (já se preocupava com a interpretação)
2. Modelo cíclico
Caracterização
Mostra a evolução da economia através da divisão do processo evolutivo em períodos determinados, que recebem o nome de ciclos. Esses ciclos podem ser determinados por acontecimentos políticos, econômicos, culturais ou outros, que sirvam para identificar certo período. No caso específico da economia brasileira, procura-se mostrar a evolução através do papel representado pela predominância de diversos produtos que, em diferentes períodos, influenciaram a sociedade brasileira.
A interpretação mais comum é a que identifica a evolução histórica do Brasil dividindo-a em dois grandes momentos: o primeiro, que se estende do descobrimento até a década de 1930, e que compreende o período colonial e o período da economia primário-exportadora, é denominado de modelo de desenvolvimento voltado para fora; o segundo, que vai da década de 1930 aos dias de hoje e que se caracteriza pelo processo de industrialização, é chamado de modelo de desenvolvimento voltado para dentro.
As características fundamentais de cada um desses modelos são:
Modelo de crescimento voltado para fora
- Produção determinada pelas necessidades do mercado externo (exportação);
- Produção restrita quase que exclusivamente ao setor primário (agricultura, pecuária e extrativismo);
- Baixo índice de produtividade;
- Sociedade dualista (praticamente sem classe média);
- Mão-de-obra predominantemente escrava.
Modelo de crescimento voltado para dentro
- Produção voltada prioritariamente ao atendimento das necessidades internas;
- Processo de industrialização baseado na substituição gradual das importações;
- Urbanização e sensível ascensão dos extratos médios da população;
- Diversificação cada vez maior da produção;
- Implantação de métodos mais modernos de gestão e novas tecnologias, permitindo elevação da produtividade dos fatores de produção.
A visão cíclica fica claramente evidenciada no modelo de crescimento voltado para fora, ao longo do qual os autores apontam a sucessão dos famosos ciclos econômicos: do açúcar, do ouro e do café, segundo a interpretação mais comum. Alguns autores citam, além desses, os ciclos do pau-brasil, da borracha e do cacau.
Também no modelo de crescimento voltado para dentro, que em certo momento se caracterizou pela estratégia da substituição gradual das importações, alguns autores identificam certos ciclos, determinados pelo próprio processo de desenvolvimento tecnológico. De acordo com tal interpretação, o primeiro ciclo, que vai, grosso modo, de 1930 a 1945, é marcado pela produção de bens de consumo primário, com destaque para as indústrias siderúrgica, têxtil e alimentícia; o segundo ciclo, que vai de 1945 a 1960/64, é marcado pelo predomínio da produção de bens de consumo duráveis, com destaque para a indústria automobilística que teve grande impulso nesse período, sendo um dos carros-chefe da política econômica do presidente Juscelino Kubistchek; e o terceiro ciclo, posterior a 1964, marcado pela ênfase na produção de bens de capital.
Há ainda, análises mais recentes e elaboradas, como a da professora Maria da Conceição Tavares, contemplada no célebre livro Da substituição de importações ao capitalismo financeiro.
Também no plano internacional, há obras de grande destaque, que se transformaram em verdadeiros best-sellers, que podem ser enquadrados na categoria de análise cíclica. O mais famoso dos autores que se incluem nessa condição é Alvin Toffler, cuja trilogia iniciada com O choque do futuro, continuada com A terceira onda, e concluída com Powershift: as mudanças no poder, utiliza sempre uma visão cíclica da evolução histórica, a primeira com ênfase em aspectos culturais, a segunda com ênfase na produção, e a terceira com ênfase nas fontes de poder.
Principais nomes
- Roberto Simonsen
- Joaquim Silva
- Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
- Maria da Conceição Tavares
- Alvin Toffler
Referências e indicações bibliográficas
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de história colonial. 7ª ed. São Paulo: Itatiaia, 1988.
______________ Caminhos antigos e povoamento do Brasil. São Paulo: Itatiaia, 1989.
______________ O descobrimento do Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ALBUQUERQUE, Marcos Cintra Cavalcanti de. Cinqüenta anos de história econômica do Brasil.
ROCHA POMBO, José Francisco da. História do Brazil. São Paulo: Editora “Weiszflog Irmãos”, 1919.
SIMONSEN, Roberto. História econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1978.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
______________ A terceira onda. 26ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
______________ Powershift: As mudanças do poder. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.
VIANNA, Oliveira. História social da economia capitalista no Brasil (2 volumes). São Paulo: Itatiaia, 1988.
______________ Populações meridionais do Brasil (2 volumes). 3ª ed. São Paulo: Itatiaia, 1987.
______________ Instituições políticas brasileiras (2 volumes). São Paulo: Itatiaia, 1987.
Referências e indicações webgráficas
MACHADO, Luiz Alberto. Interpretações do Brasil I – O caráter patrimonialista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=715.
______________ Interpretações do Brasil II – A teoria da dependência. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=814.
______________ Interpretações do Brasil III – A corrente estruturalista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=899.
______________ Interpretações do Brasil V – A visão marxista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=1053.
ROCHA POMBO, José Francisco da. Brasil – Colônia e Império, 1500 – 1889. Adaptado por Paulo Victorino do livro História do Brazil, publicado em 1919 pela Editora “Weiszflog Irmãos” – São Paulo. Disponível em http://www.pitoresco.com/historia/index_rocha.htm.
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