Interpretações do Brasil IX
Uma antologia
“De forma sucinta, é possível considerar que
a preocupação predominante, nos anos que
se seguem à independência, não foi, nem
pode ter sido, em interpretar o Brasil, mas
sim de criar referências nacionais para o
país recém-independente. Como no resto da
América, tratava-se mesmo de fazer com que
a independência política fosse seguida pelo
que alguns chamam de emancipação mental.”
Bernardo Ricupero
Durante o ano de 2006, publiquei, nestas mesmas Iscas Intelectuais, uma série de oito artigos sob a denominação de Interpretações do Brasil. Procurei, naquela série, oferecer ao amigo internauta uma noção das principais correntes de interpretação do nosso país, a partir de uma ótica predominante, mas não exclusivamente, econômica.
Neste artigo, meu objetivo é fazer um comentário sobre um livro recém publicado pela Editora Alameda que é uma verdadeira antologia sobre o tema. De autoria de Bernardo Ricupero, doutor em Ciência Política e professor da Universidade de São Paulo, o livro Sete lições sobre as interpretações do Brasil não pode estar ausente da biblioteca de nenhum professor que se dedique ao ensino e à pesquisa da formação histórica do nosso país.
Se passa pela cabeça de alguém questionar um artigo sobre um livro mais voltado para a Ciência Política, a História e a Sociologia numa seção de assuntos econômicos, vou desde logo alertando para o fato, muito bem destacado pelo colega Martin Cezar Feijó numa brilhante palestra para professores da FAAP, que se o século XX, na educação, foi marcado pelo caráter disciplinar, o século XXI é caracterizado pela interdisciplinaridade, o que torna essencial a compreensão dos fenômenos – e do próprio conhecimento – de forma integrada, e não seccionada.
Feito esse esclarecimento, o livro de Bernardo Ricupero parte de um capítulo inicial que tem por título a provocativa pergunta Existe um pensamento político brasileiro? Nele, o autor procura não apenas compartilhar suas reflexões com o leitor, como também explorar um pouco duas questões para ele intrigantes: Por que as interpretações do Brasil não surgiram durante o Império? E por que passaram a ser menos comuns depois da década de 30, justamente quando a vida universitária e a reflexão acadêmica se tornaram mais intensas e, pelo menos em tese, mais propícias a esse tipo de análise?
Na seqüência, Bernardo Ricupero faz uma incursão pelas contribuições de seis dos mais respeitados intérpretes da nossa realidade, Oliveira Viana (1883-1951), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado Jr. (1907-1990), Raymundo Faoro (1925-2003) e Florestan Fernandes (1920-1995).
No capítulo dedicado a cada um deles, em que se revela claramente o espírito de autêntico scholar do autor, um mesmo roteiro: primeiro, algumas pinceladas sobre a biografia, o que permite que o leitor possa contextualizar a vida desses grandes estudiosos do nosso país, situando-os no tempo e no espaço; a seguir, um breve resumo da obra mais importante de cada autor, realçando as influências intelectuais mais relevantes que eles sofreram, as linhas filosóficas e as correntes metodológicas pelas quais enveredaram e os principais pontos que fizeram questão de realçar; segue-se uma interessante análise intitulada Interpretações, em que o autor estabelece conexões entre as contribuições dos seis ilustres pensadores por ele selecionados, apontando pontos de coincidência, divergência ou complementaridade nas diversas abordagens; por fim, Indicações de leitura, com sugestões de publicações de terceiros sobre a vida e a obra dos seis grandes intérpretes.
As obras destacadas por Bernardo Ricupero de cada um dos seis intérpretes são: Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna; Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (que gostava, apesar de todas as suas realizações, de se referir a si mesmo simplesmente como “o pai do Chico”); Formação do Brasil contemporâneo: colônia, de Caio Prado Jr.; Os donos do poder, de Raymundo Faoro; e A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes.
Um parêntese para um registro feito por Bernardo Ricupero na Introdução. Ele optou por não incluir em sua antologia dois outros grandes intérpretes do Brasil, Celso Furtado e Antonio Candido, pelo fato de terem preferido concentrar esforços em campos muito específicos, a economia e a crítica literária, respectivamente.
Não se trata de um livro que agrade a qualquer um. Por se referir ao pensamento e às obras de seis dos mais consagrados intérpretes da realidade brasileira, supõe que aquele que se interessar por sua leitura tenha um conhecimento prévio das contribuições desses notáveis pensadores que, de certa forma, nos permitem entender melhor por que o Brasil é o que é hoje. Com isso não quero de maneira alguma desencorajar àqueles que não tiveram ainda a oportunidade de ler as obras dos seis personagens focalizados no livro de se aventurarem à sua leitura. Pode ser até uma idéia interessante, tomar o livro de Bernardo Ricupero como um roteiro para uma posterior leitura das contribuições de todos ou de alguns desses seis pensadores, dependendo do interesse de cada um.
Referências e indicações bibliográficas
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª edição. Rio de Janeiro: Globo, 2001.
______________ Existe um pensamento político brasileiro? São Paulo: Ática, 1994.
FEIJÓ, Martin Cezar. O século do cérebro. Qualimetria, n° 198, fevereiro de 2008, pp. 40 – 44.
FERNANDES, Florestan. Revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Globo, 2006.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. 48ª edição. Rio de Janeiro: Global Editora, 2006.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006.
RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda, 2007.
VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1944.
______________ Populações meridionais do Brasil. 3ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.
Referências e indicações webgráficas
MACHADO, Luiz Alberto. Interpretações do Brasil I – O caráter patrimonialista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3658.
______________ Interpretações do Brasil II – A teoria da dependência. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3663.
______________ Interpretações do Brasil III – A corrente estruturalista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3668.
______________ Interpretações do Brasil IV – A hegemonia monetarista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3672.
______________ Interpretações do Brasil V – A visão marxista. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3677.
______________ Interpretações do Brasil V – A análise cronológica ou factual e a análise cíclica. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3682.
______________ Interpretações do Brasil VII – Ortodoxia X Heterodoxia. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3687.
______________ Interpretações do Brasil VIII – Desenvolvimentismo X ??? Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3692.
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