Grandes Economistas Brasileiros I[1]

 

Eugênio Gudin

 

 

“Nunca construí ‘modelo econômico’ algum, nem formei ‘escola’ alguma. O que procurei fazer foi tentar esclarecer o que era confuso ou corrigir o que me parecia errado.”

Eugênio Gudin

 

Um engenheiro interessado em economia

Pode parecer estranho, mas aquele que é considerado um dos maiores economistas brasileiros de todos os tempos é engenheiro. Nascido no Rio de Janeiro no dia 12 de junho de 1886, no bairro do Cosme Velho, foi na então capital do Brasil que Eugênio Gudin viveu sua infância e juventude, estabelecendo um vínculo muito forte com a cidade que se tornou uma de suas localidades prediletas – juntamente com Paris e Petrópolis.

Gudin cursou engenharia civil entre os anos de 1901 e 1905 na escola Politécnica do Rio de Janeiro e foi como engenheiro que começou sua trajetória profissional na Light & Power Cia. em 1906. No ano seguinte foi contratado pela firma Dodsworth & Cia., da qual se tornou sócio tempos mais tarde. Como engenheiro, Gudin participou de diversas obras de infraestrutura primeiro no Rio de Janeiro e, posteriormente, já com a fama de ser competente e dedicado, no nordeste do Brasil, começando pelo Ceará onde coordenou a construção da represa de Acarape. Em 1913, mudou-se para Pernambuco, onde consolidou sua carreira de engenheiro de grande visão e onde pôde conhecer mais de perto os meandros políticos envolvidos na conquista dos grandes projetos.

Retornando ao Rio de Janeiro em 1922, ocupou sucessiva e concomitantemente, cargos de direção em importantes empresas, tais como a Great Western of Brazil Railway Company e a Western Telegraphic & Co. Fluente no inglês e no francês, Gudin participou de inúmeras negociações com bancos e empresas estrangeiras, tornando-se um ponto de referência para grupos que estavam em vias de ampliar seus investimentos no Brasil.

Foi por essa razão que no início da década de 1930 a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) passou a contratar os serviços de consultoria de Eugênio Gudin. “A empresa contava com o engenheiro/executivo para articular as relações entre os executivos americanos e brasileiros, bem como representar a empresa, fornecedora de serviços públicos, perante as autoridades das diferentes esferas de poder do país – federal, estadual e municipal. Tratava-se, evidentemente, não só de um trabalho de consultoria de alto nível, mas também da necessidade de um guia seguro que orientasse os americanos nas tratativas com as autoridades brasileiras” (SCALERCIO, 2012, p. 40).

Julgamos importante mencionar este início da trajetória profissional de Gudin para evidenciar suas primeiras ligações com empresas estrangeiras que fizeram investimentos no Brasil, um dos aspectos que ele defendeu por toda a vida, sendo por isso muitas vezes criticado por sucessivas gerações de nacionalistas que o apontavam  como entreguista.

Em sua experiência como engenheiro e executivo, Gudin foi conhecendo e se impacientando cada vez mais com a “falta de senso econômico generalizado na forma de administrar os negócios”, bem como uma notória falta de planejamento.

Nasce aí seu interesse pelas ciências econômicas, que ele passa a estudar seriamente como autodidata já na década de 1920.

Os primeiros passos do economista e do jornalista

Convencido da necessidade de estudar economia, Gudin dedicou-se a isso com o vigor e a dedicação que o caracterizaram por toda a vida.

“O primeiro livro que leu com atenção sobre o assunto intitulava-se The meaning of Money, de Hartley Withers, que foi durante alguns anos editor da revista inglesa The Economist. Logo em seguida, atacou os clássicos com Adam Smith e David Ricardo. Submergiu na leitura de Alfred Marshall, voltando à tona saboreando artigos e revistas de economistas ingleses, americanos e as obras de John Stuart Mill. Apaixonou-se também pelos trabalhos do economista sueco Johan Knut Wicksell. Quando já idoso, gostava de dizer que: ‘Se eu não estivesse aqui preso com essa bengala, eu me levantaria, porque não se pronuncia o nome de Wicksell sentado’”(idem, p. 48).

Um fator que fez com que o interesse de Gudin pela economia se tornasse cada vez maior e mais conhecido foi decorrência da amizade que ele travara com Assis Chateaubriand durante o período que viveu em Recife. Em 1924, aceita o convite do amigo para escrever artigos sobre economia em O Jornal, periódico carioca que Chateaubriand acabara de adquirir. Inicia-se assim outra faceta de sua trajetória profissional que o acompanhará pelo resto de sua vida. Depois de escrever para diversos órgãos da imprensa, foi como articulista de O Globo que encerrou essa atividade, tendo seu último artigo publicado no dia 6 de março de 1986, poucos meses antes de completar 100 anos.

Como articulista, Gudin cobriu os principais momentos da vida econômica do Brasil, tendo se tornado célebres suas críticas ferozes a personagens como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, assim como seu apoio a Castello Branco e à revolução de 1964, posição que foi se modificando à medida que foi percebendo que os outros generais-presidentes não possuíam o mesmo espírito liberal.

Aliás, em sua longa jornada como articulista, Gudin mostrou-se permanentemente um ferrenho defensor do liberalismo econômico, enaltecendo as virtudes de uma sociedade pautada pela propriedade privada dos meios de produção, pela livre iniciativa empresarial, pela limitada intervenção governamental e pela busca do lucro como principal orientador das decisões fundamentais da economia: o que, quanto, como e para quem produzir.

No plano político, sua defesa dos princípios liberais não atingia o mesmo rigor com que se posicionava na economia, uma vez que para ele uma democracia plena só seria possível com uma população mais culta e educada, coisa que não conseguiu ver no Brasil, para sua tristeza. Gudin afirmava que sem essa boa formação educacional, a sociedade estaria permanentemente à mercê de lideranças populistas e pouco comprometidas com os interesses maiores da nação.

Foi ainda como articulista que protagonizou um debate que marcou época nos anais da história econômica do Brasil.

Um debate histórico

Dos mais célebres foi o confronto teórico entre nosso Gudin e seu antípoda, e também engenheiro, Roberto Simonsen, que se deu a partir de um relatório escrito por este em 1944: A Planificação da Economia Brasileira.

Recém apossado pelo Estado Novo Varguista como Ministro do Trabalho, Simonsen estava preocupado com o “ilusório enriquecimento” (2010, p. 38) do Brasil no período da Segunda Guerra Mundial. Segundo dados levantados pelo próprio ministério, a renda nacional brasileira era quatro vezes inferior ao patamar minimamente necessário para o conforto geral das famílias brasileiras (idem, p. 3). Mais grave ainda era a constatação histórica por Simonsen de que o crescimento da renda nacional, deixada a economia nacional à mercê do mercado, não se daria à velocidade suficiente para acompanhar o aumento populacional – estando condenado o povo brasileiro, portanto, aos baixos níveis de desenvolvimento econômico (idem, p. 44).

Simonsen, ante o cenário, propõe, inspirado em Friedrich List, Mihaïl Manoïlesco e nas análises de Lee Hagar e Morris Cooke, a planificação da economia nacional, nos moldes da Rússia Comunista e dos EUA pós-New Deal (idem, p. 44).

Aos olhos liberais de Gudin, nada mais incorreto para o caso brasileiro. Reage, então, por meio de uma extensa resposta, Rumos de Política Econômica, na qual, além de refutar a proposta planificadora em si mesma, aponta vários erros metodológicos e históricos do parecer de Simonsen. Eis o início do debate.

Para torná-lo resumidamente acessível, serão expostas as principais premissas da Planificação de Simonsen e as respectivas contra argumentações de Gudin (contidas na primeira parte dos Rumos de Política Econômica). Aos que desejam se aprofundar na questão, recomendamos a leitura completa dos Rumos e dos textos subsequentes: a réplica de Simonsen, em O Planejamento da Economia Brasileira, e a tréplica de Gudin, na Carta à Comissão de Planejamento.

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A proposição prática de Simonsen, no seu primeiro parecer, que é a planificação da economia brasileira, está fundamentada nas seguintes premissas:

I – A renda nacional era de 40 bilhões de cruzeiros, segundo o cálculo do Ministério do Trabalho (idem, p. 37). A fórmula usada foi:

RN = Produção (agrícola + mineralógica + industrial) + Importações – Exportações ± Movimento de Capital (idem, p. 143);

II – A quantidade da renda nacional era insuficiente para o mínimo de conforto às famílias, sendo este mínimo a renda nacional de 160 bilhões (idem, p. 43);

III – O meio pelo qual se quadruplicaria a renda nacional seria a industrialização e a expansão da infraestrutura logística e energética, sem menosprezar a agricultura (idem, p. 45);

IV – O setor privado, deixado a si mesmo, não seria capaz de, em curto prazo, promover uma industrialização suficiente para quadruplicar a renda nacional (idem, p. 44);

V – A planificação da economia, por outro lado, era uma alternativa segura à simples iniciativa privada, como os casos russo, turco e americano comprovam (idem, pp. 44-45). Ela se daria pela coordenação estatal estratégica e pela cooperação entre os diversos setores produtivos privados (idem, p. 47).

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Gudin, em sua resposta na primeira parte dos Rumos, rejeita as respectivas premissas da seguinte maneira:

I – O cálculo da renda nacional, feita pelo ministério, não era confiável (idem, pp. 62-65), pois foram cometidos cinco erros (aqui, Gudin cita o grande economista estatístico Colin Clark):

– Incluiu-se bens intermediários, quando na verdade a renda nacional é um valor líquido, só considerando bens finais;

– Não se incluiu a renda oriunda do setor de serviços;

– Não se incluiu os investimentos, nem se considerou a variação do capital;

– Subtraiu-se as exportações e somou-se as importações, quando as operações contrárias é que são corretas;

– Não se incluiu impostos, pagamento de juros, fretes, lucros, salários de intermediários, armazenagens e despesas com varejo.

II – Como não se conhece com precisão a real cifra da renda nacional, não se sabe, evidentemente, o quanto e o quão rapidamente ela precisa crescer para alcançar aquele mínimo patamar (idem, p. 65);

III – A imprecisão do cálculo também põe em cheque a apressada necessidade da industrialização no curto prazo;

IV – Gudin não refutou esse argumento diretamente – mas reiterou que, se é inviável ao setor privado, por falta de recursos financeiros, determinado empreendimento estratégico, também o é para o Estado, pois este não cria capital, apenas o confisca daquele, diretamente (por tributos) ou indiretamente (por impressão de papel-moeda) (idem, p. 81).

Além disso, o que, geralmente, afugentaria o capital privado de determinado empreendimento é a prevalência do Estado sobre eles, quando este está na posição de produtor e competidor (idem, pp. 81-82). E a presença do Estado na economia brasileira já era, em comparação com a Inglaterra e os EUA, bastante significante (idem, pp. 79-80).

Por fim, grande parte da riqueza auferida pelas nações durante o século XIX foi conquistada num regime liberal – enquanto que os países planificadores do século XX tiveram considerável responsabilidade na promoção do totalitarismo e da guerra.

V – A planificação econômica não era uma alternativa ao caso brasileiro, pelas seguintes razões (aqui Gudin citou grandes economistas do século XX: Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek e Lionel Robbins):

– À exceção da Rússia, a planificação nos diversos países onde adotada tem sido ineficaz. O New Deal americano, por exemplo, foi logo substituído por um retorno ao regime liberal, pelo mesmo Roosevelt (idem, pp. 69-71). A planificação nazifascista, por outro lado, “solucionou” o problema do desemprego ao deslocar a mão-de-obra para o exército e para a indústria bélica. De modo que, concretamente, o que acabou com o desemprego não foi a planificação, mas o ímpeto da guerra (idem, pp. 72-73).

– Com relação ao caso russo, seu sucesso se deve à espoliação estatal da riqueza privada e da limitação totalitária à liberdade de escolha econômica (o que comer, onde trabalhar, etc.) da população (idem, pp. 73-74). Em suma, conquistou-se o crescimento econômico com a escravidão do povo pela burocracia e pelo Partido Comunista. Obviamente, a Rússia Bolchevique não é, nem nunca deve ser, um modelo para países, como o Brasil, cuja democracia é um valor inegociável.

Por fim, cabe destacar da reposta de Gudin que em nenhum momento o conceito de planejamento, como atribuição do Estado, foi criticado. Pelo contrário, foi enaltecido pelo autor, quando cita os casos dos EUA e da Inglaterra (idem, pp. 74-76). É necessário, contudo, diferenciar planejamento de planificação: aquela é uma saudável padronização jurídica e institucional necessária para assegurar os direitos à propriedade, à vida e à liberdade nas relações econômicas e um mínimo de previsibilidade no momento de o empresário tomar decisões; esta é a subordinação da iniciativa privada à uma casta burocrático-partidária que supõe administrar melhor os recursos da sociedade do que a própria sociedade.

No planejamento, o Estado serve à sociedade, impondo regras geralmente aceitas com o intuito de impedir abusos individuais; na planificação, a sociedade é obrigada a servir ao Estado, espoliada de seus recursos e alienada de seus direitos.

No planejamento, o Estado assegura uma ordem sobre a qual os agentes privados devem tomar decisões; na planificação, o Estado compete com o setor privado e, pela arrogância e poder da casta tecnocrática, centraliza as decisões, destruindo a autonomia deste. Trata-se, evidentemente, de uma competição socioeconomicamente deletéria, cujas consequências só podem ser a destruição dessa mesma competição, na medida em que o Estado tem meios seguros de vencer o setor privado, a improdutividade econômica e o totalitarismo.

Carreira pública

 Apesar de estar envolvido com a vida pública por muitas décadas, participando ativamente do debate das grandes questões nacionais e exercendo o papel de formador de opinião por meio de seus artigos em jornais, a presença de Gudin em cargos ou funções públicas ficou marcada por dois momentos.

O primeiro deles ocorreu quando foi o principal nome da delegação brasileira presidida pelo ministro da Fazenda de Getulio Vargas, Arthur de Souza Costa, na Conferência de Bretton Woods.  A referida conferência teve lugar em 1944 nas montanhas do estado de New Hampshire, Estados Unidos, reunindo delegações de 44 países. Seu objetivo era o de redesenhar o funcionamento das relações financeiras internacionais a partir do final da Segunda Grande Guerra, que na ocasião tinha seu final já claramente previsível, com a vitória dos aliados. Num evento em que a presença dominante era a do economista britânico John Maynard Keynes, foram tomadas importantes decisões, com destaque para a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na delegação do Brasil, participaram também figuras que anos mais tarde ocupariam os Ministérios da Fazenda e do Planejamento como Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos.

Este último deu o seguinte depoimento a respeito de seu primeiro encontro com Gudin, ocorrido durante a Conferência de Bretton Woods: “Vim a conhecer Gudin em toda a riqueza de sua personalidade polimorfa, capaz de combinar a um só tempo a intensidade do raio laser e a alegria cromática do arco-íris” (SCALERCIO, 2012, p.283).

O segundo ocorreu quando exerceu o cargo de Ministro da Fazenda no governo Café Filho, de 25 de agosto de 1954 a 4 de abril de 1955. Na oportunidade, com uma equipe de sua absoluta confiança, em que se destacavam Octávio Gouvêa de Bulhões, na diretoria da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), e Clemente Mariani, na presidência do Banco do Brasil, Gudin levou a cabo uma política econômica bastante austera, com o objetivo de reequilibrar as finanças, recompor as reservas e reduzir a inflação, três graves legados do governo de Getúlio Vargas. Não tendo interesses políticos pessoais, Gudin jamais se preocupou em agradar a quem quer que fosse. Dessa forma, deixou o Ministério, juntamente com Bulhões e Clemente Mariani, assim que percebeu que o presidente da República estava fazendo acordos com governadores que contrariavam a austeridade da política econômica vigente. Os resultados obtidos nos quase oito meses em que esteve à frente do Ministério foram bastante satisfatórios, uma vez que tanto as finanças do Brasil como a inflação atingiram patamares bem mais favoráveis do que se encontravam antes de ele assumir a Pasta.

Contribuições para o estudo da economia

 Tendo se interessado pela economia desde os tempos em que exercia a carreira de engenheiro, Gudin teve papel relevante na criação do curso de ciências econômicas no Brasil. Em 1937, Gudin integrou o grupo que formou a Sociedade Brasileira de Economia, entidade que tinha por propósito maior influir em prol da criação de uma escola para o ensino das ciências econômicas na capital da República. No ano seguinte, foi fundada a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, cujo primeiro diretor foi Temístocles Brandão Cavalcanti. Gudin, então, apresentou sua candidatura para o concurso da cátedra de Moeda e Crédito. Foi aprovado, iniciando assim sua carreira de professor universitário. Anos mais tarde, a faculdade foi incorporada à Universidade do Brasil – depois Universidade Federal do Rio de Janeiro[2].

Como continuava viajando frequentemente para o exterior, Gudin aproveitava para conhecer cursos importantes da Europa e dos Estados Unidos, bem como para estabelecer relações com renomados economistas dessas localidades, entre os quais Maurice Byè, Harberler e Jacob Viner.

No ano de 1941, enviou um documento ao ministro da Educação, Gustavo Capanema, com um projeto de Programa de Curso Superior de Ciências Econômicas, organizado em colaboração com o professor Maurice Byé e com Octávio Gouvêa de Bulhões.

Quem acompanhou a evolução dos programas dos cursos de Ciências Econômicas no Brasil reconhece nesse projeto a base da grade curricular que prevaleceu até a reforma curricular decorrente do Parecer nº 375/84 e da Resolução Nº 11, de 26/6/84 do Conselho Federal de Educação, que estabeleceu o Novo Currículo Mínimo de Ciências Econômicas adotado em todos os cursos do Brasil a partir de 1985, que sofreu pequenas alterações em 1997, quando foram definidas as atuais Diretrizes Curriculares.

Gudin tem ainda duas outras contribuições relevantes para o ensino de economia no Brasil. Uma dessas contribuições aparece na forma de livro. Princípios de Economia Monetária, em dois volumes, de sua autoria, constituíram-se por longo período na bibliografia básica da disciplina Moeda e Crédito, depois chamada de Moedas e Bancos e, posteriormente, Economia Monetária.

Outra contribuição significativa decorre de seus vínculos com a Fundação Getulio Vargas, que havia sido criada em 1944. Gudin tomou a iniciativa de tentar convencer seu primeiro presidente, Luiz Simões Lopes, a patrocinar a formação de um núcleo de economia na nova instituição. Foi o passo inicial para a gloriosa trajetória da Escola de Economia e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que vêm formando gerações de bons economistas e prestando relevantes serviços na área da pesquisa econômica no Brasil.

Lembrança longínqua

 Em qualquer área do conhecimento e da ação, há personagens cuja importância, ainda que marcante, não faz com que a lembrança de seu nome sobreviva por muito tempo.

Este, definitivamente, não é o caso de Eugênio Gudin.

Para justificar tal afirmação, vamos nos ater a dois episódios.

Na década de 1970, os estudantes da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Administrativas da Universidade Mackenzie decidiram alterar o nome de seu diretório acadêmico, que até então tinha o nome de Diretório Acadêmico Economia e Administração Mackenzie.

Após alguma discussão, em que diversos nomes foram cogitados, a escolha recaiu sobre Eugênio Gudin, de tal forma que o diretório passaria a se chamar Diretório Acadêmico Eugênio Gudin, denominação que permanece até os dias de hoje.

Os estudantes resolveram, na ocasião, promover uma aula magna com a presença do novo patrono de seu Diretório Acadêmico. Data definida, convite aceito, e os integrantes do D. A. resolveram convidar para moderar a palestra o mais conhecido comentarista econômico da época, o jornalista Joelmir Betting.

No primeiro contato, Joelmir Betting respondeu que tinha disponibilidade na data e que sua presença implicaria no pagamento de um determinado cachê. Em novo contato, os estudantes explicaram que o evento tinha como principal nome o de Eugênio Gudin, que aceitara participar sem cobrar nada. Ao saber que Eugênio Gudin estaria presente, Joelmir Betting alterou sua resposta, dizendo que seria um prazer e uma honra participar de um evento com o velho economista.

O outro episódio ocorreu em 2001, ano em que se comemorava o cinquentenário da regulamentação da profissão de economista[3].

Para celebrar a passagem da data, o Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon – 2ª Região – SP) decidiu escolher os dez maiores economistas dos primeiros 50 anos da profissão de economista no Brasil. A escolha ocorreu por meio de votação à qual estavam habilitados todos os economistas inscritos na entidade. Eugênio Gudin foi o economista mais velho a ser eleito. Os outros foram (em ordem alfabética): Affonso Celso Pastore, Antônio Delfim Netto, Armínio Fraga, Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Mario Henrique Simonsen, Octávio Gouvêa de Bulhões, Paul Singer e Roberto Campos.

Vale destacar que, a exemplo de Eugênio Gudin, outros economistas desta relação foram reconhecidos como economistas, embora tivessem outra graduação, por terem se formado antes da existência do curso no Brasil. São os casos de Celso Furtado (advogado), Maria da Conceição Tavares (matemática), Octávio Gouveia de Bulhões (advogado) e Roberto Campos (teólogo e diplomata). Mario Henrique Simonsen, que se graduou primeiramente em engenharia, fez posteriormente o curso de graduação em Ciências Econômicas na Faculdade de Economia e Finanças do Rio de Janeiro – SUESC.

Concluímos afirmando que Eugênio Gudin viveu intensamente, desfrutando de suas grandes paixões: o Brasil (“sempre fui chifrado, corneado por uma mulher chamada Brasil”), o Rio de Janeiro, a França e, particularmente Paris, a família, os vinhos, as mulheres e as flores.

Vivendo tão intensamente, Gudin sentia imensa dificuldade em se despedir dessas paixões, o que fica bem claro num depoimento de seu neto, Luiz Roberto Cunha, com o qual encerramos este artigo:

“Mas do Brasil, sua grande paixão, nosso homenageado nunca quis se despedir, até porque não pretendia deixar de manter sua “frente de batalha”, isto é, os artigos em O Globo. Tanto que, como lembra minha irmã Violeta Maria, em 1978, quando a FGV quis homenageá-lo com um livro de seus artigos, a edição já estava pronta, mas ao observar que o título na capa era “Últimos Ensaios”, Gudin, recusando-se a aceitar que de fato seriam os “últimos”, mandou para o depósito toda a tiragem, que foi refeita com um novo título, O pensamento de Eugênio Gudin (FGV, 1978)”.

 

Referências bibliográficas

BORGES, Maria Angélica. Eugênio Gudin: Capitalismo e Neoliberalismo. São Paulo: UNESP/EDUC, 1996.

CASTRO, Nivalde José de. O Economista: a história da profissão no Brasil. Rio de Janeiro: Cofecon; Corecon-RJ/Corecon-SP, 2001

CONSELHO Federal de Economia. Sessenta Anos de História da Regulamentação da Profissão de Economista. Brasília: Cofecon, 2012.

GUDIN, Eugênio. GUDIN, E. Rumos de Política Econômica. 1945. Em: A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira. 3ª Ed. Brasília: IPEA, 2010.

_______________ O pensamento de Eugênio Gudin. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968.

MENDES, Armando Dias. O Economista e o Ornitorrinco – Ensaios sobre a formação e a profissão dos economistas. Brasília: Coronário Editora Gráfica, 2001.

SCALERCIO, Márcio e ALMEIDA, Rodrigo de. Eugênio Gudin: inventário de flores e espinhos: um liberal em estado puro. Rio de Janeiro: Insight, 2012.

SIMONSEN. A Planificação da Economia Brasileira. 1944. Em: A Controvérsia do Planejamento na Economia Brasileira. 3ª Ed. Brasília: IPEA, 2010.

[1] Todos os artigos da série Grandes Economistas Brasileiros serão elaborados em parceria com Renato Lembe, estudante de Economia da Faculdade de Economia da FAAP e editor do Projeto Saquarema.

[2] Há uma polêmica a respeito de qual foi o primeiro curso de Ciências Econômicas do Brasil. Enquanto alguns historiadores consideram o surgimento deste curso no Rio de Janeiro como pioneiro, outros consideram que o primeiro curso de Ciências Econômicas surgiu em São Paulo, no ano de 1934, numa ramificação da Escola de Comércio da Fundação Alvares Penteado (atual Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado – Fecap), cuja sede situava-se no Largo de São Francisco.

[3] A Lei nº 1.411, que dispõe sobre a profissão de economista, foi sancionada pelo presidente da República no dia 13 de agosto de 1951. Em 17 de novembro de 1952, a referida Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 31.794.