Compatibilizar o curto e o longo prazo
O grande desafio
“Estamos presos na armadilha da renda média, a condição de países que lograram sair da pobreza mas empacaram, não conseguindo dar o salto seguinte para se tornarem países desenvolvidos.”
Fabio Giambiagi e Rodrigo Zeidan
Como seria de se esperar, no período que se estende da eleição à posse presidencial, o noticiário fica inundado de especulações referentes aos ocupantes dos cargos de primeiro escalão e a respeito das principais diretrizes da política econômica.
Nesse segundo aspecto, há uma compreensível ênfase em questões macroeconômicas e em resultados esperados para o curto prazo.
Por que compreensível?
Em primeiro lugar porque, embora o Brasil tenha superado desde a implementação do Plano Real em 1994 a fase de níveis elevados e não civilizados de inflação, ainda há um resíduo de cultura inflacionária, que tinha como algumas de suas características a preocupação obsessiva com a sobrevivência e um extraordinário curto prazismo[1].
Em segundo lugar, porque, com exceção dos xiitas e dos economistas heterodoxos, que, segundo Ana Carla Abrão, “fazem contas igualmente heterodoxas – e erradas”, há consenso sobre a necessidade urgente de reduzir o déficit público, para o que será fundamental promover a reforma da Previdência.
Nessas análises, que se constituem em esmagadora maioria, a busca de maior equilíbrio fiscal é vista como um pré-requisito para a retomada do crescimento econômico.
Em Apelo á razão, excelente livro recém-lançado pela Editora Record, Fabio Giambiagi e Rodrigo Zeidan chamam a atenção para diversos fatores que nos prendem à “armadilha da renda média, a condição de países que lograram sair da pobreza mas empacaram, não conseguindo dar o salto seguinte para se tornarem países desenvolvidos”.
No referido livro, cuja leitura recomendo fortemente – e que deveria ser lido pelos que terão a responsabilidade de dirigir a nossa economia – os autores lembram que muitos dos esforços tentados no Brasil nas últimas décadas tiveram – quando muito – efeito passageiro, com o retorno a uma situação igual ou muito próxima da que se pretendia melhorar.
Esse fenômeno fica claro na afirmação de Cássio Casseb, conhecido executivo do mercado financeiro, citada no livro: “O Brasil é um país onde você passa quinze dias fora e muda tudo, mas passa quinze anos fora e não muda nada”.
Entre várias partes muito interessantes do livro, creio valer a pena reproduzir a maneira didática pela qual Giambiagi e Zeidan descrevem o processo pelo qual as nossas despesas públicas foram crescendo a ponto de se transformar no enorme problema que representam hoje.
Na base da ideia de que “sempre cabe mais um”, fomos enchendo o “ônibus” do Estado brasileiro com novos ocupantes, que com o passar do tempo tornaram o “veículo” demasiadamente pesado para o tipo de sociedade moderna. É um Estado incapaz de dar conta dos desafios dos novos tempos, que devem privilegiar mais temas como educação, inovação, pesquisa e ciência e tecnologia, e despesas que aliviem a situação dos mais pobres, com espaço reduzido na atual configuração das despesas.
Concordando, pois, plenamente, quanto à necessidade de tentar aprovar logo no início as reformas fiscal e previdenciária, sugiro ao novo governo que dê atenção, simultaneamente, a questões microeconômicas que serão de fundamental importância para permitir o aumento da produtividade dos nossos agentes econômicos e, em consequência, a recuperação da competitividade da economia brasileira.
Algumas dessas ações encontram-se umbilicalmente ligadas, como, por exemplo, a necessidade de promover uma simplificação tributária, que terá tanto efeito macroeconômico (reduzindo o custo e aumentando a eficiência da máquina arrecadadora), como microeconômico (reduzindo a pressão sobre os agentes produtivos).
Além da simplificação tributária, é necessário continuar, acelerar e aprofundar as ações com vistas a melhorar o ambiente de negócios no País, com medidas que reduzam o excesso de regulamentação e provoquem ampla desburocratização dos procedimentos relacionados à abertura, funcionamento e fechamento de empresas. Ainda que o Brasil tenha melhorado no ranking da pesquisa Doing Business, realizada pelo Banco Mundial, subindo 16 posições no último relatório, é forçoso reconhecer que nossa posição continua muito aquém de nosso potencial, uma vez que estamos abaixo de diversos países sul-americanos e de outros de renda comparável à nossa nos dois mais relevantes estudos dessa natureza: o Doing Business, do Banco Mundial, que reúne 190 países, e o estudo promovido pelo Institute of Managerial Develpment(IMD), que reúne 61 países.
Se conseguirmos avançar nesses aspectos, repito, estaremos contribuindo para a elevação da produtividade dos nossos agentes econômicos, para a recuperação da competitividade da economia brasileira e, assim, pavimentando a estrada que liga o curto e o longo prazo na busca de um crescimento sustentável.
Evidentemente, a par dessas ações no campo da economia, o novo governo terá que adotar ações inteligentes em setores complementares e igualmente fundamentais, tais como saúde, segurança, infraestrutura, política externa e educação, cujos resultados, muitas vezes, custam a aparecer.
Para concluir, algumas observações com referência à educação. Como bem observam Giambiagi e Zeidan, “é mito afirmar que gastamos pouco com educação. É o contrário, somos o segundo país de renda média que mais gasta com essa rubrica no mundo – apenas a Costa Rica gasta mais do que nós, em proporção do PIB”.
Corroborando esta afirmação, os autores afirmam, com base nos dados do INEP e do IBGE: “não só gastamos muito, mas também aumentamos bastante a participação dos gastos com educação como proporção do PIB” (Gráfico 1).
Gráfico 1
Gastos totais com educação como % do PIB
Fonte: INEP e IBGE.
Considerando, portanto, que o volume de investimento em educação no Brasil já é significativo, é preciso focar na qualidade desse investimento, buscando aquele que ofereça a melhor taxa de retorno social. E, de acordo com James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2000, reconhecido mundialmente como uma das maiores autoridades no assunto, a maior taxa de retorno ocorre com os programas pré-natais, como pode ser visto no gráfico 2.
Gráfico 2
Fonte: Heckman, J. – The Heckman Equation
Será necessário, nesse sentido, alterar a ênfase dos últimos governos que investiram proporcionalmente muito mais em educação superior do que em programas pré-natais e programas de primeira infância. Como bem observam Giambiagi e Zeidan, os benefícios sociais são muito maiores quando os investimentos ocorrem nos primeiros anos da vida das pessoas, ao passo que os benefícios privados são maiores nos investimentos em ensino superior e nos programas de capacitação profissional.
A diferença entre retornos privados e sociais ao longo do tempo é a razão pela qual, na maior parte do mundo, a provisão de educação básica é papel do Estado, enquanto é aceitável que o sistema privado forneça parte do ensino superior. E aqui temos a primeira lição básica para o Brasil: não faz sentido falar em universalizar ensino superior quando o básico é péssimo.
Este é, aliás, um bom exemplo para a afirmação “governar é fazer escolhas”. Ao examinarmos a realidade da educação brasileira, constatamos a existência de necessidade de investimentos em todos os níveis. Como, porém, não há recursos para tanto, é preciso escolher o tipo de investimento que oferece maior retorno social e este é, sem dúvida, o investimento nos primeiros anos da vida das pessoas. Ainda que elas não votem e não convençam seus pais a votar!!!
Referências bibliográficas e webgráficas
ABRÃO, Ana Carla. Envelhecer é uma conquista. O Estado de S. Paulo, 6 de novembro de 2018, p. B 6.
GIAMBIAGI, Fabio; ZEIDAN, Rodrigo. Apelo à razão: reconciliação com a lógica econômica – por um Brasil que deixe de flertar com o populismo, com o atraso e com o absurdo. Rio de Janeiro: Record, 2018.
GIANNETTI, Eduardo. Ética e inflação. O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1992. Reproduzido em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995.
PUPO, Fábio. Brasil atinge a 109ª posição em ranking de ambiente de negócios. Valor Econômico, 31 de outubro de 2018. Disponível em https://www.valor.com.br/brasil/5961361/brasil-atinge-109-posicao-em-ranking-de-ambiente-de-negocios.
RORIZ, José Ricardo. O desnecessário processo burocrático. O Estado de S. Paulo, 6 de novembro de 2018, p. B 2.
[1] Num parágrafo, Eduardo Giannetti sintetiza extraordinariamente bem o que era viver naquele contexto: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil.”
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