O papel do Estado e a estagnação econômica no Brasil
Eiiti Sato[1]
Algumas perguntas têm sido recorrentes no Brasil: por que o Brasil não “decola”? Por que, vivendo no mesmo mundo, sob os mesmos regimes internacionais e, assim, podendo ter acesso às mesmas oportunidades, o Brasil continua incapaz de oferecer aos seus cidadãos uma qualidade de vida semelhante, ou pelo menos próxima, à de franceses, ingleses, italianos ou americanos? Por que, nas últimas décadas, várias sociedades asiáticas – tão diferentes dos padrões europeus e americanos – “decolaram” enquanto o Brasil permaneceu virtualmente estagnado ao longo das últimas décadas?
Obviamente que neste breve comentário não seria possível oferecer uma explicação, mesmo que fosse apenas descritivamente, em resposta a uma questão tão complexa. Dessa forma, este breve artigo tem como propósito somente sugerir uma hipótese ou linha de interpretação e de investigação sobre a qual parece valer a pena refletir: no Brasil, o Estado não tem desempenhado adequadamente seu papel de referencial e de orientador dos valores políticos e sociais adequados à promoção do desenvolvimento econômico e social.
Esse entendimento pode ser extraído das análises de estudiosos do desenvolvimento, entre eles Mancur Olson que, em duas de suas obras, concentrou suas hipóteses no papel do Estado concluindo que: um Estado eficiente e de qualidade é uma condição necessária, embora não suficiente, para se ter uma sociedade próspera e desenvolvida.[2] Seu argumento é o de que um ambiente social, político e econômico capaz de captar e de promover a energia criadora presente na sociedade é fundamental e, para isso, o Estado tem um papel central e intransferível. Note-se que Olson não se referiu ao “financiamento” de programas de desenvolvimento por parte do Estado, mas à criação de um ambiente favorável ao empreendedorismo e ao trabalho útil e produtivo. Com efeito, em sociedades economicamente bem sucedidas, as autoridades responsáveis pelas instituições do Estado, têm se preocupado em estabelecer como função primordial do Estado indicar para a sociedade o que deve ser respeitado, valorizado e estimulado e o que deve ser evitado, combatido e, eventualmente, até punido. Uma sociedade que não estimula a criatividade genuína, o empreendedorismo sadio, e o trabalho honesto e produtivo tem poucas chances de ser bem sucedida em um mundo marcado pela eficiência e pela competição. No Brasil, infelizmente, a leniência e a permissividade para com o mau empreendedor, combinado com o estímulo à ineficiência e à ilegalidade, têm produzido um ambiente econômico totalmente incompatível com a dinâmica prevalecente na economia mundial.
A corrupção que se espalhou a partir do comportamento desastrado e deletério do poder público e das organizações estatais foi somente o topo visível de um imenso “iceberg” de ineficiência e de estímulo ao mau empreendedorismo. Em um ambiente de corrupção, licitações são vencidas por empresas inexperientes, que subcontratam empresas sem qualificação, obtendo grandes lucros, ainda que a obra seja mal feita ou simplesmente permaneça inacabada. Sucessivos “termos aditivos” compensam generosamente os preços baixos que permitiram àquela empresa vencer a licitação. Companhias de transporte urbano preocupam-se mais em ganhar com os subsídios pagos pelas prefeituras ou pelos governos estaduais do que com a prestação de serviço de qualidade à população. Um exemplo notável é Brasília, que nasceu como cidade urbanisticamente planejada, mas há muito perdeu essa característica. Toda sua expansão nas últimas quatro décadas foi orientada pela regularização, que é exatamente o oposto do planejamento urbano e da boa arquitetura. A rota da regularização é bem simples: um bairro começa por um processo de ocupação ilegal, se consolida por meio de loteamento feito por grileiros (ladrões de terras), até que, baseadas em “razões sociais”, as autoridades cuidam de regularizar o bairro mesmo tendo sido formado sem a observância de normas legais e dos padrões mais básicos de engenharia e dos requisitos de organização urbanística. Estes são alguns exemplos que ilustram a explicação que alguém como Mancur Olson, se estivesse vivo, provavelmente ofereceria para o caso brasileiro.
Cabe considerar que o Poder Executivo tem apenas parte da responsabilidade pela deterioração do ambiente econômico. Tribunais e instâncias legislativas fazem sua parte, usando de sua autoridade para ajudar a sustentar esse festival de irregularidades e de ineficiência. Vale lembrar que leis e decisões podem ser produzidas ou sustentadas por órgãos colegiados, mas são tomadas por magistrados e por parlamentares que, de fato, comandam o processo, seja por meio do voto ou por meio de ações individuais, e levam suas instituições a tomarem decisões que podem ser profundamente deletérias aos padrões de convivência na sociedade. O fato é que, tal como ocorre em toda parte, na vida cotidiana, os brasileiros não vivem em conformidade com as normas legais formalmente constituídas (a maioria mal as conhece), mas vivem de acordo com a maneira com que normas e leis são efetivamente praticadas, isto é, pela forma como são transformadas em padrões orientadores do comportamento em sociedade.
Em resumo, uma sociedade vivendo em um ambiente econômico que favorece e estimula a ilegalidade e os arranjos baseados na “esperteza” tem poucas chances de vencer em um mundo exigente e competitivo. Diante desse quadro, cabe concluir perguntando: Por que as companhias brasileiras de engenharia e de negócios em geral não se fazem presentes nos centros dinâmicos da Europa, da Ásia ou do Oriente Médio? Por que, sistematicamente, os governos no Brasil têm preferido o protecionismo e evitado a competição?
[1] Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília
[2] As duas obras de Mancur Olson são “The Rise and Decline of Nations. Economic Growth, Stagflation, and Social Rigidities” (Yale Univ. Press, 1982) e “Power and Prosperity. Outgrowing Communist and Capitalist Dictatorships” (Basic Books, 2000).
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