Honestidade: de diferencial a pré-requisito
Luiz Alberto Machado[1]
Em minha primeira contribuição para esta coluna do Instituto Não Aceito Corrupção vou recorrer ao argumento central de um artigo escrito em meados da década de 1990 e a um fato ocorrido mais ou menos na mesma época com o objetivo de estabelecer um paralelo com o processo – se não de eliminação, pelo menos – de redução da corrupção ainda existente no Brasil.
O referido artigo tinha por título Qualidade, de diferencial a pré-requisito. Nele, examinei alguns desafios que se impunham ao Brasil nos planos macro e microeconômicos depois de muito tempo como um país extremamente fechado e com níveis de inflação inaceitáveis em países civilizados.
Argumentei, na ocasião, que no plano macroeconômico o Brasil enfrentava um duplo desafio: num plano mais abrangente, a exemplo de todos os outros países, fazer a transição rumo a uma economia globalizada; num plano mais localizado, a transição da instabilidade para a estabilidade.
Mais de duas décadas depois, não se pode negar que a estabilidade foi uma conquista memorável. Considerando-se que o cenário dos anos 1980 e início dos 1990 combinava, em doses variáveis, estagnação, elevada inflação crônica e forte pressão das dívidas – interna e externa – seria difícil imaginar uma transição tão rápida para a estabilidade. Tal fato torna-se ainda mais relevante se lembrarmos que a segunda metade da década de 1980 foi marcada por uma sucessão de planos de estabilização mal sucedidos, o que deixou como herança uma sociedade frustrada e desiludida.
Saindo do plano macro e ingressando mais no microeconômico, ressaltei um aspecto fundamental em termos de estratégia de marketing empresarial, à época ainda não percebido por muitas empresas que continuavam se utilizando de um discurso cada vez mais obsoleto. Quando, cada vez mais, as empresas precisavam estar aptas a oferecerem bens e serviços capazes de encantar o consumidor, muitas continuavam operando com o pensamento de que a palavra qualidade ainda se constituía no objetivo máximo a ser alcançado. Isto, na verdade, já se tornara coisa do passado. No mundo globalizado, os padrões de qualidade são uniformizados e os bens e serviços são classificados de acordo com padrões internacionais. Assim, qualidade havia deixado de ser diferencial e havia passado a ser pré-requisito. Sem padrões internacionais de qualidade, as empresas não podiam sequer participar do cada vez mais seletivo comércio internacional. E a palavra que tomou o lugar da qualidade como fator diferencial foi a palavra encantamento, ou seja, o objetivo das empresas passa a ser o fornecimento de bens ou serviços que vão além das expectativas dos consumidores. Daí a importância crescente da criatividade, pois é através da inovação que muitas empresas têm conseguido surpreender e encantar os consumidores, oferecendo-lhes algo que supera suas próprias expectativas.
É bem verdade que a liderança assim conquistada passou a não durar muito tempo, pois, graças ao benchmarking, as concorrentes logo se colocavam em pé de igualdade. Mas esse já seria assunto para outro artigo…
O fato teve lugar num think tank com o qual colaborei por muitos anos. Uma das atividades desenvolvidas por esse think tank relacionava-se à produção editorial: livros, folhetos e artigos dirigidos, essencialmente, a formadores de opinião.
Numa das reuniões do conselho editorial, a pauta versava sobre as características de um candidato ideal a partir da perspectiva liberal. Os participantes da reunião foram apresentando as propostas de características que consideravam marcantes para serem incluídas no texto quando alguém sugeriu a palavra “honesto”. Imediatamente, fiz objeção à inclusão daquela característica por considerar que “honestidade” não era uma exigência exclusiva de um candidato liberal, mas um pré-requisito necessário a qualquer postulante de um cargo eletivo.
Fui voto vencido, uma vez que embora os outros integrantes do conselho concordassem comigo, a realidade brasileira mostrava que era preciso insistir – e muito – nessa tecla, em razão do grande número de pessoas com elevados indícios de corrupção e falta de ética não apenas pleiteando candidaturas nos diversos partidos, mas também exercendo cargos principalmente nos âmbitos legislativo e executivo.
Feitas essas considerações, constato que se a estabilidade econômica se tornou um valor consolidado, a ponto de ser um compromisso assumido por políticos das mais variadas colorações partidárias e se a busca pelo aperfeiçoamento contínuo tornou-se uma prática comum às empresas de ponta do País, na busca do encantamento e fidelização de seus clientes, o mesmo não se pode dizer a respeito da honestidade como padrão de referência de nossos políticos. O volume de desmandos, negociatas e malversação de recursos públicos noticiados diariamente envolvendo ocupantes de cargos em nível municipal, estadual e federal revela que a população ainda se encontra longe de colocar a honestidade como pré-requisito na hora de fazer a escolha de seus candidatos.
Talvez minha expectativa seja ingênua. Mas minha esperança é que com (i) a melhora – lenta, é verdade – no nível da nossa educação, (ii) a ação contundente da nossa imprensa investigativa e (iii) a própria pressão das redes sociais, ocorra a conscientização progressiva da população no sentido de deixar de considerar a honestidade um diferencial para transformá-la num pré-requisito nos futuros processos eleitorais.
[1] Economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012) e assessor da Fundação Espaço Democrático.
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