Relações Internacionais como campo de
estudo das Ciências Sociais e como profissão[1]
Eiiti Sato[2]
Neste mundo de relações globalizadas, qualquer que seja a área de atividade – seja nos negócios, na política ou na cultura – evidencia-se de forma crescente a necessidade de se considerar a dimensão internacional dessa atividade. A atividade de inovação tecnológica nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que criou oportunidades de crescimento econômico, também trouxe mudanças contínuas e fomentou problemas globais como aqueles relacionados ao meio ambiente, à volatilidade dos fluxos financeiros ou aos fluxos de refugiados e de imigrantes que têm se tornado objeto de preocupação de governos, de empresas e até mesmo de indivíduos em muitos países. Até mesmo o terrorismo como forma de ação política e o tráfico de drogas ilícitas tornaram-se fenômenos internacionalizados e verdadeiros pesadelos para alguns governos. O fato é que, seja para o estudante e o pesquisador de Relações Internacionais, seja para as pessoas que se dedicam a quaisquer outras atividades, a percepção geral é a de que a realidade internacional precisa ser adequadamente compreendida, mesmo que a disposição individual não seja a de trabalhar diretamente sobre essa realidade.
Os estudantes, por sua vez, quando ingressam em um curso universitário, estão pensando também em suas perspectivas profissionais, isto é, como seus estudos poderão ajudá-lo a encontrar seu espaço no mercado de trabalho, um mercado dinâmico que se modifica continuamente, como a própria realidade social e tecnológica. Nesse quadro, para aqueles que se dedicam a estudar e a ensinar disciplinas de Ciências Sociais, em especial Relações Internacionais, é preciso ir além da prática simplista de considerar que seu campo de estudo corresponde a uma especialidade devidamente definida no mercado de trabalho.
Ao longo deste breve ensaio, três aspectos da realidade deste início de milênio deverão ser objeto de reflexão: 1) por que as Ciências Sociais e as Humanidades devem ser vistas como campo de estudo e não como profissão; 2) por que os cursos de Relações Internacionais surgiram no Brasil somente meio século após a sua formação como campo de estudo em outros países; 3) o que deve ser estudado nos cursos de Relações Internacionais e em outros campos de estudo das Ciências Sociais. Certamente que os pontos levantados não esgotam o assunto, mas podem servir de pontos de partida para se refletir sobre o tema mais geral das relações entre o ensino universitário e o mundo profissional.
Relações Internacionais como campo de estudo:
um pouco de epistemologia e de história
Como objeto de estudo e de reflexão, as relações internacionais são tão antigas quanto muitos outros temas que se organizaram como campo distinto do conhecimento na modernidade. Na História da Guerra do Peloponeso, escrita por Tucídides há mais de dois mil anos já é possível encontrar reflexões sobre a natureza da guerra, sobre as dificuldades de se construir alianças e sobre as relações amistosas e hostis entre povos vizinhos.[3] Na Idade Média, para pensadores como Santo Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274) o tema da “guerra justa” era uma preocupação recorrente. Mais tarde, na passagem da era medieval para a modernidade, estudiosos como Francisco de Vitória (1483-1546), Grotius (1583-1645), Hobbes (1588-1679), e mais tarde Kant (1724-1804) foram, ao mesmo tempo, juristas e filósofos sociais, e deixaram obras de reflexão que se tornaram verdadeiros clássicos sobre a paz e a guerra e sobre os esforços dos homens para construir instituições que organizassem a convivência entre povos que, pouco a pouco, passavam a se estruturar na forma de Estados Nacionais.[4] Assim, desde a Antiguidade, de forma contínua, produziu-se reflexões sobre as relações entre povos, estando sempre associadas a outras disciplinas como História, Filosofia, Moral, Direito e até Teologia. Foi apenas no século XX – após a primeira guerra mundial – que Relações Internacionais, em sua moderna acepção, teve efetivamente seu início como área distinta do conhecimento organizada na forma de campo de estudo dentro do pensamento e da prática científica corrente.
Com efeito, os impactos da primeira guerra mundial foram tão grandes e suas consequências tão amplas que, imediatamente, despertaram o interesse de estadistas e de estudiosos de todos os tipos no sentido de melhor entender quais teriam sido as razões que haviam levado a Europa e o mundo a vivenciarem um fenômeno daquelas proporções naquele momento. Epistemologicamente, os acontecimentos assumiram proporções que, de muitas formas, levaram a questionar a capacidade de interpretar adequadamente os acontecimentos por meio dos recursos analíticos utilizados tradicionalmente. Além disso, as ciências às quais geralmente as reflexões sobre política internacional apareciam associadas, por sua vez, estavam ocupadas com muitas outras questões que emergiam na cena intelectual. Desde os fins do século XIX, fenômenos como a da intensificação da urbanização e dos movimentos migratórios e a expansão da industrialização alimentavam mudanças sociais profundas fazendo com que sociólogos, historiadores e pensadores sociais em geral se voltassem para essa classe de fenômenos que mobilizavam a opinião pública fomentando a força e a influência de movimentos sociais emergentes.
A história da ciência mostra que um campo de estudo se forma a partir do esforço de adequar a capacidade de observação às complexidades e à amplitude dos fenômenos observados. Um campo de estudo se estabelece tanto pela caracterização de um objeto de estudos distinto quanto pelo potencial de desenvolvimento de conceitos, de teorias e de recursos metodológicos próprios. Em outras palavras, a existência de um campo de estudo se justifica como área distinta do conhecimento quando há um claro objeto de estudo, isto é, uma classe de fenômenos suficientemente distintos e que demanda, para que haja uma compreensão mais apropriada, um instrumental teórico e analítico também distinto de outros campos de estudo já existentes.
Muito embora, no mundo real, os fatos não possam ser fragmentados e divididos em partes, a prática de se estabelecer diferentes campos do conhecimento se explica pelas dificuldades naturais de se conhecer a realidade em sua totalidade, ou mesmo parte dela, quando essa parte se revela demasiadamente ampla. A Biologia, por exemplo, na sua acepção geral é o estudo de todos seres viventes, mas não é preciso muita explicação para entender a utilidade e até a necessidade da existência de campos de estudo como a Zoologia, a Entomologia ou a Biologia Molecular e a Genética. Os fenômenos que correspondem ao mundo dos seres viventes são tantos, tão variados e distintos, que acabaram por formar áreas do conhecimento ou campos de estudo específicos, sem cuja existência os notáveis avanços dos conhecimentos que temos presenciado sobre Biologia muito provavelmente teriam sido bem mais modestos. Com os fenômenos internacionais ocorreu algo semelhante: as dimensões trágicas da primeira guerra mundial puseram em evidência a necessidade de se aprofundar os conhecimentos a respeito de uma classe de fenômenos que disciplinas mais antigas e abrangentes como a Filosofia Política, a História ou o Direito não tinham e não teriam condições de fazê-lo a contento.[5]
Adicionalmente, no caso de Relações Internacionais e de qualquer outro campo de estudo voltado para o entendimento do comportamento humano, é preciso considerar a dimensão moral dessas ciências. David Hume, em seu Tratado sobre a Natureza Humana, no Livro III, afirma que “[o sentimento] moral excita paixões e produz ou evita ações (…) [em contraste] a razão é completamente inerte” (apud Broackes, 1995, p.380). Sob essa ótica, a motivação mais significativa para o surgimento de um campo de estudo distinto seriam os sentimentos morais que os fenômenos compreendidos num determinado campo do conhecimento despertam nos indivíduos e na consciência das sociedades de uma época.
Com efeito, o início das Relações Internacionais como área distinta do conhecimento dentro do mundo acadêmico de nossos dias deu-se no entre guerras, e a principal motivação estava relacionada com os efeitos da trágica experiência da grande guerra de 1914-1918. A esse respeito, E. H. Carr em sua famosa obra Vinte Anos de Crise escrevia “a guerra de 1914-18 pôs um fim à opinião de que a guerra é um assunto que afeta unicamente soldados profissionais e, fazendo isso, dissipou a impressão correspondente de que a política internacional podia ser deixada com segurança nas mãos dos diplomatas profissionais” (Carr, 2003, p.4). Esse argumento é desenvolvido em toda a primeira parte do livro sugerindo que o desenvolvimento dos vários ramos das ciências ocorre essencialmente em decorrência de demandas sociais e, nesse sentido, afirma: “é o objetivo de dar saúde que cria a ciência médica, e o objetivo de construir pontes é que cria a ciência da engenharia” (Carr, 2003, p.5). Da mesma forma, argumenta E. H. Carr, os efeitos trágicos da guerra de 1914-1918, foram decisivos para que o fenômeno da guerra e a necessidade de compreensão da política internacional passassem a ser objeto de reflexão e de estudo usando-se o instrumental analítico e as práticas da ciência moderna. Outros campos da ciência como economia e sociologia tiveram também motivações semelhantes, muito embora essas motivações não estivessem assentadas sobre acontecimentos tão trágicos. De qualquer modo, as preocupações com a geração de riquezas, com os índices de criminalidade ou com a construção e aperfeiçoamento da ordem social têm proporcionado motivações suficientes para despertar até hoje o interesse dos indivíduos e dos grupos sociais organizados. A motivação primária de Augusto Comte para escrever seu Curso de Filosofia Positiva, entre 1830 e 1842, era a de produzir um padrão de sociedade cientificamente organizada.[6]
Nos anos que se seguiram à Conferência de Versailles percebia-se, embora ainda vagamente, que as crises econômica, política e moral do entre guerras tinham um fator essencial comum, que era o esgotamento do liberalismo do século XIX e, como consequência, percebia-se também que no substrato das dificuldades e da incapacidade de manejar os conflitos, estava uma crise na reflexão sobre as relações internacionais que havia se diluído na doutrina liberal. Com efeito, a expansão sem precedentes da economia mundial sob a inspiração liberal havia feito desenvolver a sensação de paz e de estabilidade que marcou a segunda metade do século XIX.[7]
Ao publicar em 1910 A Grande Ilusão, Norman Angell (2002) pressentia o retorno do recurso da guerra como instrumento passível de ser empregado pelas nações para promover seus interesses. As tensões crescentes manifestas na corrida armamentista refletiam o ambiente internacional cada vez mais tenso e preocupante e é bastante revelador o fato de Norman Angell colocar o foco da argumentação de sua obra sobre a hipótese de que a guerra não traz benefício, mesmo para a nação vencedora. Assim, havia ainda a presunção de que se podia contar com uma base de racionalidade nas guerras em termos de obtenção de ganhos. Em larga medida, tal percepção servira de fundamento a pensadores como Benjamin Constant de Rebecque e outros liberais, desde os fins do século XVIII que, mesmo sem o declarar, traziam implicitamente em suas formulações o pressuposto de que o comércio era uma alternativa para a guerra.[8] Assim, parecia cada vez mais claro que o estudo das relações internacionais demandaria bem mais do que simplesmente discutir políticas equivocadas e hesitações ou precipitações de governantes pouco habilidosos. Era preciso rever as bases intelectuais que fundamentavam as visões correntes a respeito das relações internacionais.
Uma forma de fazer essa revisão seria tornando o estudo da política internacional algo sistemático e institucionalmente organizado como um campo da ciência em bases modernas. Nesse sentido, foi muito importante e reveladora a iniciativa tomada ao final da Conferência de Versailles por integrantes das delegações britânica e americana, promovendo uma reunião com o propósito de organizar uma sociedade anglo-americana para o estudo da política internacional (apud Sato, 2006).
Arnold Toynbee, em suas memórias, relata que nos dias em que a Conferência de Versailles chegava ao fim, houve uma reunião no Hotel Majestic – onde se hospedava a delegação britânica – que verdadeiramente teria lançado as sementes para a organização do estudo científico das relações internacionais em bases institucionalizadas nas universidades e centros de pesquisa (Toynbee, 1970). A reunião fora convocada por Lionel Curtis e todos os integrantes das delegações americana e britânica foram convidados. O encontro, no entanto, deveria interessar especialmente aos delegados que não pertenciam ao corpo diplomático permanente do Foreign Office britânico e do Departamento de Estado americano uma vez que, com a Conferência de Versailles, oficialmente a guerra chegava ao fim e, diante desse fato, o propósito mais imediato da reunião era o de discutir qual seria o destino profissional desses oficiais altamente qualificados mas temporários. A maioria deles era composta de especialistas – como o próprio Arnold Toynbee – que haviam se juntado às suas chancelarias como parte do esforço de guerra e, uma vez que a guerra chegava ao fim, deveriam voltar para seus locais de origem ou tomar algum outro destino profissional. A alguns foi oferecida a oportunidade de assumir postos como diplomatas do quadro permanente, mas para muitos, o término da Conferência significava simplesmente retornar às atividades que exerciam antes da guerra.
Lionel Curtis havia observado que os anos de guerra, assim como as discussões e negociações ao longo dos dias da Conferência, proporcionaram uma experiência marcante para aqueles especialistas que, em virtude dessas experiências, haviam desenvolvido uma percepção profundamente original a respeito da guerra, da paz e da realidade internacional. Assim, na agenda da reunião constava uma proposta bastante prática: a criação de uma sociedade anglo-americana para o estudo científico da política internacional. A ideia era a de que essa sociedade deveria promover o estudo e a reflexão, tanto quanto possível, em bases científicas, sobre as relações internacionais. Com esse propósito, deveriam ser atividades típicas dessa sociedade a realização de encontros entre especialistas, a discussão sobre aspectos epistemológicos do estudo da política internacional, o desenvolvimento da pesquisa e a publicação de material informativo e de análises sobre temas e questões relevantes na área.
A iniciativa, no entanto, rapidamente revelou-se muito difícil de ser conduzida como um projeto conjunto de britânicos e americanos. Assim, logo no início da década de 1920, foram criadas duas instituições que deveriam trabalhar cooperativamente, mas com sede em distintos países: o Council on Foreign Relations, com sede em Nova York, e o Royal Institute of International Affairs, que ficou conhecido como Chatham House, com sede em Londres.[9]
Para que pudesse ser preservado o caráter científico dos trabalhos, tudo deveria ser feito de maneira “apartidária”, isto é, sem que estivessem vinculados a preferências partidárias e à política oficial, ainda que recebessem algum auxílio governamental.[10] A evolução da iniciativa, tal como tem ocorrido em outros ramos das Ciências Sociais, iria mostrar o quanto seria difícil fazer com que esse propósito fosse plenamente atingido, pois, tal como já foi comentado, em assuntos como esse, a mente humana tem enorme dificuldade para se comportar de forma totalmente isenta de sentimentos, de emoções e de propósitos considerados desejáveis ou indesejáveis. Durante muito tempo, o próprio Foreign Office teve grande dificuldade em admitir a existência daquele corpo estranho, com gente estranha à chancelaria, trabalhando em suas instalações e fazendo perguntas e investigando documentos e arquivos oficiais. De qualquer modo, olhar as questões internacionais sob esse ângulo de preocupação não se constituiu apenas numa novidade, mas provou ser verdadeiramente um passo fundamental para dar início à sistematização do conhecimento sobre as relações internacionais nas bases praticadas até nossos dias. Que os governos viessem a se valer dos estudos realizados por essa sociedade era até mesmo desejável, pois, afinal, a matéria é política por natureza e, na verdade, a motivação básica que levara seus fundadores a tomar aquela iniciativa era a de que o estudo da realidade internacional, de modo consistente e isento de pressões de interesses circunstanciais, seria um elemento fundamental para que os governos produzissem políticas mais sensatas e capazes de evitar tragédias como aquela que o mundo acabara de viver.
As duas instituições passaram a servir de várias formas à promoção dos estudos sobre a política internacional, contudo ganharam especial notoriedade por duas atividades bastante complementares. A entidade americana passou a publicar a revista Foreign Affairs, que veio a tornar-se o periódico mais conhecido e tradicional sobre política internacional enquanto a Chathan House decidiu organizar e produzir um relatório periódico intitulado Survey of International Affairs, que teve Arnold Toynbee como responsável pela edição por três décadas, e no qual apresentava uma visão panorâmica das principais questões em debate nas relações internacionais. Eram iniciativas que se complementavam e também serviam de base para, juntamente com encontros e seminários, congregar e difundir o interesse pelo estudo das questões internacionais. Hoje, a prática de publicar surveys tornou-se uma prática corrente das agências internacionais como a ONU, o Banco Mundial, a OMC e a OCDE.
Simultaneamente, acompanhando esse ambiente de crescente interesse pelo estudo sistemático da política internacional, algumas universidades britânicas e americanas criaram cátedras voltadas para o ensino e a reflexão sobre relações internacionais, como foi o caso da cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional da Universidade de Aberystwyth à qual E. H. Carr estava associado quando escreveu Vinte Anos de Crise. Geralmente essas cadeiras eram patrocinadas por magnatas como Andrew Carnegie que, por meio de fundações, destinavam consideráveis recursos para projetos voltados para ações humanitárias e para a promoção da paz. O interesse de Andrew Carnegie pela promoção da paz, por exemplo, era tão grande que criou uma fundação especificamente voltada para esse propósito.[11] Por meio dessa fundação, patrocinou cátedras e bibliotecas voltadas para o estudo e a pesquisa sobre arbitragem e outras formas de resolução pacífica de controvérsias. Forneceu também recursos para a construção de muitos edifícios públicos para abrigar iniciativas e instituições voltadas para a paz como o Palácio da Paz, na Haia, o Templo da Paz em S. José da Costa Rica e o Pan-American Union em Washington. O Palácio da Paz na Haia abriga até hoje a Corte Internacional de Justiça e a Corte Permanente de Arbitragem da ONU, enquanto o edifício Pan-American Union em Washington, D.C. serve de sede para a Organização dos Estados Americanos (OEA). O brasileiro Otto Prazeres, acreditado como jornalista junto à Conferência de Versailles, ao retornar ao Brasil, escreveu um livro sobre a Liga das Nações e o dedicou a Andrew Carnegie “que era o maior apóstolo da paz nos tempos modernos” (Prazeres, 1922, p. v).
Esses episódios revelam como o interesse pelo estudo das relações internacionais se generalizou em especial no mundo anglo-saxão movido pelo entendimento de que o estudo sistemático, usando-se os recursos do pensamento científico, poderia ser um instrumento útil para tornar a política internacional menos conflituosa e mais previsível e, dessa forma, evitar catástrofes como a da primeira guerra mundial.
O fato é que a partir da década de 1920, o estudo das relações internacionais como disciplina acadêmica estruturada disseminou-se pelas universidades norte-americanas e europeias. A Segunda Guerra Mundial e o ambiente de tensão que se seguiu com a guerra fria, assim como o surgimento da era nuclear, continuaram a ser motivações para revigorar o estudo da disciplina. Na esteira desses temas emergiu uma nova geração de estudiosos como Hans Morgenthau e Reinhold Niebuhr nos Estados Unidos, Martin Wight e Hedley Bull na Inglaterra, e Raymond Aron na França que deram o tom e o perfil inicial da reflexão sobre política internacional na academia. Até o período da história mundial que ficou identificado como Guerra Fria, o estudo das relações internacionais permaneceu uma disciplina fortemente concentrada na Europa e nos Estados Unidos.
A partir desse entendimento sobre a trajetória inicial da disciplina é possível inferir que, em grande medida, a disseminação do interesse pelo estudo das relações internacionais verificado sobretudo a partir da década de 1980 pode ser comparado ao que ocorreu no passado quando o que Hans Morgenthau chamou de “ciência da política internacional” estabeleceu-se como área distinta do conhecimento no mundo universitário moderno.[12] A globalização, apesar de não ser um fenômeno tão dramático quanto a Primeira Guerra Mundial, teria trazido uma nova onda de interesse pelos estudos das relações internacionais, inclusive para nações como o Brasil, relativamente distante dos trágicos acontecimentos mundiais do século XX, e com uma cultura social e política de caráter profundamente inward looking, isto é, autocentrada e predominantemente voltada para a realidade doméstica.
Campo de estudo e mercado de trabalho para
Relações Internacionais e as Ciências Sociais no Brasil
O surgimento dos cursos de Relações Internacionais no Brasil, meio século depois do aparecimento das primeiras cátedras voltadas para o estudo da disciplina na Europa e nos Estados Unidos, de fato, está bastante relacionado com as mudanças na ordem internacional ocorridas nas décadas finais do século XX. No Brasil, embora os diplomatas, por dever de ofício, já estudassem a matéria desde muito tempo, e mesmo no âmbito da academia houvesse alguns especialistas que já se dedicavam ao estudo das questões internacionais, efetivamente, o primeiro programa estruturado em torno de um curso regular sobre relações internacionais ocorreu somente em 1974, na Universidade de Brasília.[13] Dez anos depois foram criados os programas de pós-graduação em Relações Internacionais na UnB, em Brasília, e na Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro. Apesar de tudo, o interesse pelo estudo da disciplina passou a se disseminar mais amplamente na sociedade brasileira apenas a partir dos fins da década de 1980, com a percepção de que para qualquer que fosse a atividade profissional ou o empreendimento a ser conduzido, as relações do País com o meio internacional haviam se tornado efetivamente uma parte inquestionável da realidade doméstica.
A trajetória percorrida pela disciplina Relações Internacionais até sua organização como campo de estudo reconhecidamente estruturado mostra que a existência de um curso universitário não pode ser justificado apenas pelo entendimento corrente no Brasil, que vê a utilidade de um curso universitário apenas quando entende haver correspondência com atividades profissionais específicas a serem exercidas no mercado de trabalho. Por esse entendimento, um curso de Direito somente se explicaria pela profissão de advogado ou pela carreira da magistratura. Da mesma forma, os cursos de Economia, de Sociologia ou de Relações Internacionais só se explicariam pela existência de um campo de trabalho profissional específico correspondente. O grande problema é que, no mundo real, os cursos universitários, em sua maioria, não correspondem a profissões, são apenas áreas do conhecimento, que estão estruturadas como campos de estudo distintos.
Apesar de tudo, com muita razão, o destino profissional dos estudantes sempre foi objeto de preocupação tanto dos próprios estudantes, quanto dos seus professores e dirigentes universitários. O entendimento e, consequentemente, as respostas das instituições e do quadro legal do País é que têm sido infelizes ao procurar caracterizar uma profissão específica para cada curso universitário, mesmo que para isso seja necessário distorcer a visão sobre a realidade. Esse tipo de resposta tem sua origem na cultura social corporativa predominante no Brasil, onde há uma exagerada preocupação em regulamentar as atividades e o exercício profissional de forma segmentada como corporações excludentes. De forma geral, o fato de que um grande número de campos de estudo não corresponde à uma profissão bem definida não é reconhecido pelas instituições brasileiras. O quadro legal do País, baseado no pressuposto equivocado de que existe essa correspondência entre curso universitário e profissão, dá origem a concursos públicos e a outros processos seletivos, estabelecendo até formas de recompensar e de promover e justificar a ascensão profissional e os aumentos salariais a partir da realização de cursos específicos.[14] Com efeito, as leis do País, em geral estabelecem a exigência de diplomas específicos para o desempenho de funções para as quais pessoas de formação variada poderiam estar perfeitamente preparadas para o cargo. É fato que, em alguns casos (Medicina e Engenharia, por exemplo), a exigência de diplomas específicos tem por objetivo proteger a sociedade de eventuais imperícias por parte do profissional, mas, infelizmente, na maioria das vezes, a exigência de diplomas específicos tem origem no comportamento corporativo apenas com o propósito de reservar artificialmente mercados de trabalho e, ao final, o efeito real mais significativo acaba sendo a promoção da expansão do mercado de cursos de graduação universitária. O fato é que, no mundo real, não existe um mercado de trabalho específico de “historiador” para quem estuda História, da mesma forma que não existe o de “sociólogo” ou o de “economista” para quem estuda Sociologia ou Economia. Efetivamente, História, Sociologia, Economia ou Relações Internacionais não correspondem a profissões, correspondem apenas a áreas do conhecimento. Obviamente, isto não quer dizer que não haja profissionais que realmente trabalham com técnicas de análise econômica, sendo, portanto, economistas, ou sociólogos que trabalham com programas que exigem “expertise” específica em técnicas de avaliação sociológica. Mas a proporção não chega a constituir, efetivamente, um mercado de trabalho.
Um exemplo interessante que ilustra bem esse mal-entendido, referente ao sentido da educação universitária em relação ao mercado de trabalho, é o caso dos cursos de Direito. Com efeito, mesmo em uma área bastante tradicional e bem “regulamentada” como é o caso do Direito, é possível observar que o destino profissional de seus estudantes sempre se revelou variado, não se restringindo apenas à prática da advocacia ou da magistratura. Mesmo sem recorrer a dados precisos, é possível afirmar com segurança que há muito mais graduados em Direito atuando em outras áreas profissionais do que especificamente na advocacia ou na magistratura, bastando para isso considerar a enorme quantidade existente de cursos de Direito no País. Os números do Ministério da Educação mostravam que, em 2018, existiam mais de meio milhão de estudantes matriculados em cursos de Direito no Brasil. Essa cifra indica que, anualmente, pelo menos cerca de 100 mil novos bacharéis em Direito entram no mercado de trabalho. A conclusão é bastante óbvia: é impossível para o mercado de trabalho de advogados e de magistrados absorver anualmente um tal contingente de graduados em Direito.
Por essa simples razão, os cursos de Direito, para estarem em harmonia com o mercado de trabalho, não deveriam ter se tornado “profissionalizantes”, isto é, concentrados em ensinar práticas jurídicas específicas. Deveriam continuar como eram até algumas décadas atrás, quando eram notáveis cursos de “humanidades”, voltados para uma formação mais ampla, ensinando o estudante a pensar e a desenvolver sua capacidade de discernimento e de expressão a partir do ensino jurídico, deixando o ensino prático às atividades de estágio profissional e a umas poucas disciplinas de prática jurídica e de acompanhamento dos acontecimentos mais relevantes em curso no mundo jurídico. Em outras palavras, deveriam ter continuado a preparar seus estudantes para integrar o mercado de trabalho real – que não é especializado – e que pode aproveitar muito bem a sensibilidade, a base cultural e as percepções, ou seja, a capacidade de discernimento desenvolvida por alguém que estudou e aprendeu com os grandes mestres do Direito. O fato é que a história recente mostra que, durante muito tempo, os cursos de Direito foram o grande celeiro na formação de profissionais de alto nível tanto para o serviço público quanto para a iniciativa privada. Eram cursos que tinham por base os conhecimentos jurídicos, mas transcendiam de muito os limites das práticas do Direito, constituindo-se em verdadeiros cursos de formação em humanidades, capazes de tornar os estudantes aptos a atuar com competência e discernimento em muitos domínios profissionais. Dessa forma, ao longo de muito tempo, boa parcela de diplomatas, jornalistas, gestores e empreendedores privados no Brasil eram graduados em Direito. Mesmo do ponto de vista do exercício profissional como advogado ou como magistrado, os ensinamentos dos grandes mestres do Direito e de áreas conexas (História, Filosofia, Ciências Sociais) é que podem efetivamente tornar um Bacharel em Direito um magistrado ou um advogado diferenciado. Concentrar o ensino em técnicas procedimentais da prática jurídica não significa apenas empobrecer a formação do Bacharel em Direito, significa também desperdiçar energias preciosas de jovens estudantes que ainda não definiram com clareza seu destino profissional. É possível que esse fato, extensivo a outras áreas de estudo das Ciências Sociais, ajude a explicar os elevados índices de evasão escolar nas universidades brasileiras.[15]
Especialmente em um mundo que se transforma a olhos vistos e se internacionaliza cada vez mais, não serão as presumidas técnicas específicas (quando existem) que ajudarão os graduandos das universidades a se defrontar com os casos não convencionais, não rotineiros, cada vez mais presentes nos negócios, nas questões públicas e mesmo na esfera das relações civis. Na realidade, em todas as esferas do conhecimento a leitura dos grandes mestres e das obras consideradas “clássicas” seja do Direito, da Filosofia ou da Economia é o que torna o estudante capaz de compreender o sentido e o significado das coisas e dos fatos mais relevantes. A compreensão do sentido dos valores sociais e morais como justiça, competência, responsabilidade ou liberdade continua sendo uma tarefa muito difícil, entre outras razões, porque geralmente valores como esses são desafiados em circunstâncias pouco claras e mesclados entre si, por vezes até como concorrentes, pondo à prova a capacidade de discernimento dos profissionais envolvidos. O bom domínio do lado “prático” das questões pode ser útil, e mesmo necessário, em questões mais corriqueiras, mas revela-se de muito pouca utilidade nas questões mais sutis e mais fundamentais. Um bom mecânico pode consertar um defeito de funcionamento em uma máquina, mas será preciso um engenheiro e até os conhecimentos dos princípios físicos da máquina quando a falha de funcionamento deriva de alguma falta de adaptação a mudanças nas condições ambientais ou à necessidade de suprir essa máquina com combustível alternativo. Em um sentido mais profundo, é sempre bom lembrar que a monumental obra de Johann Sebastian Bach não foi fruto de seu domínio do clavicórdio como instrumento de expressão de sua musicalidade. Embora fosse uma habilidade importante e necessária, seria apenas uma técnica não fosse a capacidade de Bach de captar significados e sentimentos contidos nas Escrituras Sagradas, harmonizando-os em sinfonias capazes de tocar a percepção e a sensibilidade dos homens e dos povos por meio da música.
O ensino diante de uma sociedade em constante transformação.
Se essas questões levantadas fazem sentido, algumas questões se afiguram inevitáveis: 1) como explicar as motivações dos estudantes para procurarem um determinado curso? 2) o que os estudantes deveriam esperar aprender e estudar em seu curso universitário? 3) como entender o mercado de trabalho nestes tempos em que a mudança é uma característica marcante não apenas na economia, mas também nos costumes e nas práticas e instituições sociais?
Obviamente, a escolha de uma área do conhecimento deve refletir o interesse que cada um tem por assuntos e por temas. No entanto, é fato que nem sempre esse interesse aparece de forma clara e bem definida. Na realidade, as pessoas podem se interessar por uma infinidade de coisas, mas sempre há um grupo de assuntos e de temas que mais sensibilizam e despertam a curiosidade das pessoas. Geralmente as chances de frustração e de fracasso aumentam muito quando a escolha por um curso universitário é feita baseada apenas na ideia de que, por meio daquele curso universitário, estará ingressando num mercado de trabalho promissor. Pode-se dizer que, de forma um tanto semelhante ao casamento, que dificilmente se sustenta quando baseado apenas no desejo de ascensão social, na esfera do conhecimento e da vida profissional também as chances de sucesso se revelam muito reduzidas quando a escolha por um curso, por um campo do conhecimento, é feita apenas por supostas oportunidades de um mercado de trabalho, notavelmente abstrato e cambiante. O fato é que estudar exige um tipo de dedicação e de comprometimento individual que afeta fortemente a disposição e o humor das pessoas e as pessoas podem se sentir frustradas ou enganadas quando as questões e temas com que se trabalha ou, principalmente, que se estuda, não correspondem às motivações capazes de realmente sensibilizar seus impulsos e sentimentos mais íntimos e pessoais. Na realidade, as pessoas se interessam por assuntos e por muitos temas e esse interesse pode ter origens muito variadas. O mundo animal e o que acontece nele é o objeto de observação da Zoologia sendo, portanto, natural que aqueles que têm interesse e curiosidade pelo mundo animal estudem Zoologia. Do mesmo modo, os que se interessam e sentem curiosidade pelos fenômenos internacionais como a guerra e a paz, a interação entre culturas e povos, ou estão preocupados com a evolução das questões ambientais e com outros problemas globais do mundo moderno, é natural que procurem cursos de Relações Internacionais e não outro curso apenas porque há um mercado de trabalho supostamente promissor. Em outras palavras, estuda-se alguma coisa, algum assunto, porque simplesmente há interesse, afinidade e motivação para se compreender esse assunto. O caso do ornitólogo Helmut Sick, que esteve em Brasília há alguns anos atrás, quando a Universidade de Brasília estava cuidando da edição de seu livro, pode ser ilustrativo.[16] Sick contava que muitos cientistas, com os quais havia se relacionado, tinham começado suas carreiras como simples praticante de “birdwatching” por admirar a beleza dos pássaros e pela sua intrigante variedade.[17] Depois haviam se tornado ornitólogos, isto é, estudiosos capazes de observar os pássaros e organizar cientificamente os conhecimentos sobre o assunto.
Curiosidade e afinidade já seriam motivos suficientes para se escolher um campo de estudo, mas podem haver muitos outros motivos que despertam o interesse de uma pessoa para certos temas e assuntos. Na área das Ciências Sociais os sentimentos morais podem ser motivações fortes para despertar o interesse por uma determinada área do conhecimento. Conflitos, injustiças, governos opressivos ou preocupações com a deterioração das condições ambientais podem servir de motivação para que um indivíduo se interesse por política, por sociologia, pelo estudo do Direito, pelas Relações Internacionais e até por certos gêneros de literatura. Além do mais, sobretudo no caso das mentes jovens, sente-se muito mais motivadas por sentimentos morais – como preconizara David Hume – do que por presumidas oportunidades emergentes no mercado de trabalho.
Um exemplo bastante ilustrativo das muitas motivações para um campo de estudo é o caso dos cursos de línguas estrangeiras. É muito raro encontrar alguém que tenha se interessado em estudar um idioma estrangeiro pensando em exercer a profissão de linguista ou de tradutor. A esmagadora maioria daqueles que se engajaram no estudo de algum idioma estrangeiro o fizeram pelos mais variados motivos e não com o propósito de seguir uma carreira profissional como especialista no idioma. Com efeito, alguns podem ter se motivado pela atração por um ramo cultural da humanidade, outros por entender que poderiam, por meio do idioma, ampliar seu acesso à cultura, e outros até mesmo para facilitar e tornar suas viagens ao estrangeiro mais proveitosas e mais agradáveis. Além disso, conhecer e ser capaz de se comunicar em idiomas estrangeiros é uma das formas mais ricas e eficazes de aumentar a autoestima e o sentimento de segurança, especialmente neste mundo globalizado. Entre outros produtos do esforço de estudar algum idioma estrangeiro estará, com certeza, a melhoria nas suas possibilidades de conseguir um bom emprego e até mesmo de, no futuro, encontrar muita satisfação e sucesso em fazer trabalhos de tradução ou de desempenhar alguma atividade profissional para a qual o domínio de línguas estrangeiras seja importante. Além disso, uma vez iniciado seus estudos, o estudante pode encontrar belezas, curiosidades e relações intrigantes na estrutura e nas construções típicas de uma ou mais línguas estrangeiras. Dessa forma, parece bastante natural que os graduandos em Relações Internacionais – tal como ocorre com tantas outras opções de curso, sobretudo nas Ciências Sociais – tenham dificuldade de estabelecer uma relação simples e direta com seu engajamento profissional no futuro.
Quanto à questão do que estudar, a resposta é simples, embora sempre incompleta. Para se penetrar no universo de uma área do conhecimento é preciso avançar em duas dimensões: a primeira dimensão, mais imediata e que, no fundo, explica suas motivações primárias, refere-se à classe de fenômenos que se observa na realidade circundante. No caso de Relações Internacionais pode ser um conflito, pode ser a demanda por levar os benefícios do progresso econômico para regiões periféricas, pode ser a promoção da paz, da justiça e de outros valores, ou podem ser as preocupações com problemas globais emergentes como as questões ambientais. Enfim, as motivações e temas que interessam às pessoas podem ser muitas e, geralmente aparecem juntas, compondo um verdadeiro mosaico de preocupações. A outra dimensão dos estudos refere-se à familiarização com o instrumental analítico, ao qual a literatura se refere genericamente como conceitos e teorias, que ajudam a organizar os conhecimentos em qualquer área de estudos. Na maioria das vezes, embora essencial, esta dimensão constitui o lado mais árido e mais abstrato de qualquer área de estudos. Geralmente os métodos de observação, as abordagens teóricas, bem como os referenciais históricos constituem o que frequentemente é referido com certo desagrado como “teoria” em contraposição ao que seria o mundo da “prática”.
Apesar de tudo, são frequentes os casos de cursos que pretendem ser possível separar o lado “prático” da dimensão “teórica” dos estudos. Nos cursos em que essa separação é proposta, há o entendimento de que o ensino apenas concentrado na “prática” coloca seus estudantes em vantagem no mercado de trabalho. Na realidade, os fatos mostram que ocorre é exatamente o oposto. Um curso universitário é, antes de mais nada, um esforço de educação do intelecto, da mesma forma que, nos esportes, além das técnicas especificas da modalidade esportiva, o corpo humano precisa ser preparado e treinado no desenvolvimento de várias capacidades como força, resistência, capacidade respiratória, além da inteligência necessária para empregar e dosar com sabedoria essas capacidades ao longo de uma competição. Em outras palavras, nas Ciências Sociais, um curso é apenas uma rota por meio da qual o intelecto é educado em muitas capacidades importantes para se compreender a realidade política e social. São habilidades e capacidades intelectuais necessárias para o exercício de qualquer profissão ou de qualquer função. Uma negociação diplomática ou a elaboração de uma estratégia empresarial ou ainda a preparação de um projeto de lei são atividades que podem ser vistas sob diferentes ângulos, tal qual um edifício que pode ser visto pela sua face frontal, ou por qualquer outro ângulo. Um campo de estudo é apenas uma forma de se observar um fenômeno.
Outro ponto interessante é o fato de que, na atualidade, todo o mercado de trabalho se transforma tão rapidamente que a própria ideia de especialização tornou-se anacrônica. Por exemplo, houve tempo em que a chave para um futuro profissional bem remunerado e seguro era tornar-se especialista em algo como “programação de computador”, no entanto, o que ocorreu é que a evolução dos computadores pessoais e dos softwares já instalados nesses computadores transformou, virtualmente, os usuários de computador em potenciais programadores eliminando, dessa maneira, a necessidade de as organizações terem “programadores” em seus quadros de funcionários. Desenvolvimentos desse tipo ocorreram e ocorrem o tempo todo, de uma forma ou de outra, em todas as áreas de atuação profissional, produzindo uma realidade bastante inquietante para todos os que se encontram em vias de buscar seu espaço nesse mercado. O fato é que, muito embora a retórica corrente continue falando em “especialização”, essa noção deixou de ser sinônimo de objetividade e de segurança no mercado profissional. Até mesmo quando uma especialidade está “protegida” por uma regulamentação profissional, e mesmo os cursos mais tradicionais, na ânsia de se manterem atualizados, alguns cursos mais afoitos – ou mais severamente afetados por esse mundo em transformação – têm promovido sucessivas reformas em seus currículos num espaço de tempo menor do que o período regular de permanência do aluno no curso, com óbvias consequências nefastas para a formação universitária.
Essa inquietação profissional, portanto, não atinge somente os estudantes de Relações Internacionais. Na verdade, não seria exagero dizer que as características da área de Relações Internacionais fazem dela uma dessas áreas que mais facilmente se apresentam adequadas às exigências desse mundo em rápida transformação justamente por não ser especializada e, além disso, o fato de ser de natureza notadamente multidisciplinar, em larga medida, facilita a preparação do estudante para compreender e conviver com a mudança. De uma forma geral os movimentos cíclicos da economia, isto é, as dificuldades de emprego decorrentes de contrações na economia afetam a todos os ramos profissionais e não somente aqueles que estudam Relações Internacionais ou qualquer outro ramo das Ciências Sociais. Especificamente referente à área de Relações internacionais no Brasil mesmo sem dados estatísticos precisos, é possível dizer que os egressos do Curso de Relações Internacionais da UnB, têm se encaminhado profissionalmente com relativo sucesso para a diplomacia, para a atuação em organismos internacionais, para as agências de governo e até mesmo para o mercado de trabalho em cidades como São Paulo, onde a iniciativa privada se destaca na oferta de empregos. A quantidade crescente de diplomatas oriundos dos cursos de Relações Internacionais não decorre da hipótese de que esses cursos os preparem melhor para os exames de ingresso para essa carreira, mas decorre do fato mais óbvio de que os estudantes que procuram os cursos de Relações Internacionais são, naturalmente, mais sensíveis e mais interessados nessa particular esfera de atividade profissional.[18] Uma parte significativa dos graduados em Relações Internacionais também têm prosseguido seus estudos em nível de pós-graduação no Brasil e no exterior. O que se pode concluir é que, em qualquer tempo e em qualquer parte, o indivíduo bem preparado, com senso de iniciativa e com boa capacidade de discernimento, será sempre disputado seja pelo mercado privado de trabalho, seja pelas instituições e organizações públicas nacionais e internacionais.
Nesse particular, especialmente nos dias de hoje, cabe fazer a ressalva de que para as carreiras públicas (entre elas a própria diplomacia) o ingresso é feito por meio do concurso público que, infelizmente, passou a ter muito pouco a ver com a boa formação universitária. Os concursos públicos em sua grande maioria são universais e o grau universitário, quando exigido, não passa de um requisito formal como pode ser a idade ou o título de eleitor. Esses concursos, por sua natureza e amplitude, não avaliam aspectos essenciais proporcionados por uma boa formação universitária e, por vezes, nem mesmo o potencial do candidato de tornar-se um bom profissional na área para a qual, presumidamente, o concurso está sendo realizado. Sob a alegação de se reduzir as possibilidades de judicialização, os organizadores dos concursos públicos foram retirando das provas as questões e testes que melhor poderiam examinar a formação e as características intelectuais e psicológicas dos candidatos por serem consideradas “subjetivas”. Essas distorções fazem com que elementos como capacidade de discernimento, iniciativa, sensibilidade para percepção de problemas e de oportunidades e, principalmente, nível de comprometimento com a área de atuação são deixados de lado. Infelizmente a sociedade brasileira, mais do que outras, precisa conviver com essas distorções que, ao longo das últimas décadas vem afetando diretamente o processo de educação do intelecto na fase dos estudos universitários.
Considerações Finais
Em resumo, na cultura universitária brasileira há o entendimento equivocado de que todos os cursos universitários devem corresponder a profissões. Para cursos como Odontologia, Veterinária, Medicina ou as Engenharias, pode-se entender que, de fato, o destino profissional do estudante está muito claro e o conteúdo profissionalizante dos cursos deve ser objetivamente conectado com o campo profissional que, nesses casos, são muito bem definidos. No entanto, para a grande maioria das opções de curso de graduação, notadamente nas Humanidades e nas Ciências Sociais, o pressuposto da correspondência entre cursos de graduação e respectivas áreas de atuação profissional é muito fraca e difusa, isto é, não tem correspondência com a realidade do mundo do trabalho. O fato é que, apesar da existência de regulamentações estabelecidas por lei, as forças que movem o mundo real da economia e dos mercados de trabalho têm suas próprias motivações e não reconhecem a existência de técnicas específicas para manejar as relações políticas, sociais e econômicas entre as pessoas e as sociedades.
A título de conclusão destas reflexões vale observar que, no Brasil, uma falha talvez até mais grave e de efeitos mais profundos no longo prazo do que a incongruência entre a formação universitária e o mercado de trabalho, seja a incapacidade de os graduandos em Humanidades e em Ciências Sociais de se expressarem adequadamente. Essa incapacidade é um problema que, obviamente, afeta bem mais as Ciências Sociais e as Humanidades do que outras áreas como Medicina ou Engenharia. C. P. Snow, em suas reflexões sobre o pensamento científico, escrevia que havia dois tipos de ciência: as ciências da natureza, que ele chamava de ciências matemáticas, e as Humanidades e as Ciências Sociais, que ele chamava de ciências literárias.[19] Snow chamava as Ciências Naturais de ciências matemáticas porque a matemática seria a forma básica de expressão dessas ciências, enquanto as Ciências Sociais e as Humanidades eram caracterizadas como ciências literárias porque, nessas ciências, era preciso descrever e explicar fatos com suas inumeráveis nuances, construir argumentos por meio de escolha de fatos e das muitas facetas inerentes aos fenômenos estudados e, ao final, persuadir com argumentos os observadores e o público em geral. O livro resultava de conferências proferidas entre 1957 e 1958 sobre as grandes preocupações do mundo naquele momento em que se temia uma terceira guerra mundial, que presumivelmente seria uma guerra nuclear. Em seu livro Snow destacava o enorme descompasso entre as ciências matemáticas, que haviam alcançado tantos êxitos na Medicina, nos conhecimentos sobre a Terra e o Universo, e até mesmo na construção das armas nucleares, enquanto, por sua vez, os avanços nas ciências literárias (Humanidades e Ciências Sociais) não se revelavam significativos já que a paz entre as nações continuava se revelando tão frágil quanto em épocas anteriores, e as sociedades humanas continuavam apresentando focos de pobreza e outras disparidades que geravam tensões sociais e inquietações na consciência moral da maioria dos povos.
Na condição de ciências literárias, áreas do conhecimento como Relações Internacionais, Direito, Sociologia ou Economia talvez devessem deixar de se preocupar tanto com o “rigor científico” refletido em dados e cifras, considerados “indiscutíveis”, e voltar a ensinar fundamentos como faziam os mestres da Escolástica, que construíam a base do conhecimento a partir do Trivium (Gramática, Lógica e Retórica). Numa versão modernizada, o Trivium significava ensinar a estrutura e as sutilezas da língua, o modo seguro de usar os recursos da razão, isto é, o modo de raciocinar de forma clara e lógica e, por fim, ensinava os recursos da linguagem para ser preciso, eloquente e convincente. Seja na Bíblia ou em quaisquer outras vertentes culturais e religiosas, um dos pecados sempre colocados entre os mais graves que o homem pode cometer está o orgulho. Na mitologia grega, a figura de Cassandra é exemplar. A sacerdotisa recebera de Apolo o dom da profecia mas, em seguida, é amaldiçoada com a falta de credibilidade. Na mitologia, ao longo de 10 anos de guerra os exércitos gregos não conseguiram suplantar as formidáveis muralhas da cidade. Cassandra alerta os cidadãos de Tróia que não deveriam levar para dentro da cidade o enorme cavalo de madeira mandado construir por Ulisses, mas fracassa, pois seu vaticínio, embora correto, não tinha credibilidade e, afinal, a cidade é tomada e incendiada pelos gregos que se utilizaram do estratagema astuciosamente elaborado por Ulisses.
A respeito da importância do bom domínio da linguagem e da capacidade de expressão nas ciências sociais podemos lembrar Aristóteles e os sofistas na Antiguidade e também personagens da história brasileira como Ruy Barbosa que foi um grande tribuno e mestre da palavra. Apesar de tudo, para o presente ensaio, talvez o melhor testemunho seja aquele deixado por John Maynard Keynes, que se notabilizou como uma das maiores expressões justamente da Economia – a ciência que mais avançou na presunção de que uma ciência social poderia deixar de ser uma ciência literária para tornar-se uma ciência matemática. Em 1931 Keynes reuniu uma coleção de ensaios que havia escrito com o intuito de convencer governantes sobre questões candentes de seu tempo como os riscos de inflação e de deflação da libra esterlina, o retorno ao padrão ouro após a primeira guerra mundial, e os equívocos cometidos na formulação do Tratado de Versailles.[20] No prefácio de apresentação da obra, Keynes define essa coletânea: “Eis aqui a coleção dos lamentos de 12 anos – os lamentos de uma Cassandra que jamais conseguiu influenciar a tempo o curso dos acontecimentos. O volume bem poderia ter como título “Ensaios de Profecia e de Persuasão”, uma vez que, infelizmente, profecia foi muito mais bem sucedida do que a persuasão”. Se essa obra tivesse sido escrita 14 anos depois, certamente Keynes iria incluir sua experiência em Bretton Woods, em 1944, quando suas ponderações sobre a necessidade de injetar liquidez monetária para as obras de reconstrução da Europa só foram postas em prática com o Plano Marshall em 1947, um ano após sua morte. A lição que nos deixa Keynes é que o destino do pensador social é um tanto semelhante ao do poeta: perceber e compreender com clareza seu tempo, antes dos homens de seu tempo, sem poder, no entanto, fazer parar a roda do destino. Para alguns pode parecer um destino infeliz e até trágico, mas o legado deixado por Keynes é o melhor testemunho de seu sucesso. Que economista não gostaria de ter deixado semelhante herança intelectual ao mundo? Mesmo quanto à sua trajetória profissional, quem não gostaria de ser reconhecido e admirado em uma comunidade universitária como a de Cambridge, ou ocupado as posições que ocupou no Governo Britânico, quando a Grã-Bretanha ainda era a primus inter pares entre as grandes potências?
A título de conclusão vale insistir no fato de que o elemento-chave que une qualquer campo de estudo ao sucesso profissional é a qualidade da formação proporcionada pelo curso. O tema da promoção da qualidade, no entanto, tem sido mais objeto de retórica do que de iniciativas concretas, inclusive porque, na atualidade, a qualidade dos cursos precisa concorrer com outras demandas sociais que colocam a qualidade e a excelência do ensino em plano secundário. Apesar de tudo, vale insistir na ideia de que a qualidade do ensino é sempre fator decisivo, em qualquer área de estudo e em qualquer momento. Aquele que se forma em um curso pautado pela qualidade e que, por sua vez, soube aproveitar as oportunidades de aprender e de construir para si um universo de conhecimentos mais sólido, certamente terá seu espaço profissional garantido em qualquer circunstância. Trata-se de um truísmo, que sempre esteve presente na realidade social do mundo moderno, mas que talvez o mundo globalizado tenha tornado ainda mais valorizado.
Este mundo globalizado, cheio de notícias e de informações transferidas freneticamente, provavelmente esteja estimulando em demasia a atenção das pessoas, sugerindo que é preciso estar a todo o momento tentando descobrir qual deverá ser a chave para o sucesso no dia de amanhã. É possível que essa chave para o sucesso sempre tenha estado ao alcance de todos e que, na realidade, simplesmente não existe uma “chave de sucesso para o amanhã”, mas apenas uma chave para o sucesso para qualquer momento. Tudo indica que o frenesi das trocas de informação do momento presente tenha obscurecido o entendimento da importância do aperfeiçoamento das próprias capacidades e das habilidades no uso do intelecto por meio da cultura e da prática da reflexão sensata e bem construída.
O fato é que cada pessoa traz em si, de forma potencial, habilidades e talentos que precisam ser desenvolvidos e aperfeiçoados adequadamente, pelo estudo, pelas leituras e pelo exercício contínuo das capacidades da inteligência. Habilidades e talentos podem ser muitos, mas só se pode oferecer ao mundo o que cada um é de fato; e o mundo precisa de todos, desde que estejam, moral e intelectualmente, bem formados. Esses talentos aparecem de forma visível na capacidade de articular e de empregar o conhecimento e na capacidade de expressar as ideias em um ou mais idiomas com precisão, acuidade e mesmo com a elegância necessária para convencer, dissuadir e, em certos casos, entusiasmar. O fato é que qualquer organização pública ou privada valoriza e necessita de servidores em condições de tornar o que se pensa e o que se conhece em algo inteligível e palatável ao interlocutor e à organização na qual eventualmente está trabalhando. Criatividade é apenas a forma mais completa de manifestação do intelecto atento e bem formado.
Uma metáfora a ser lembrada poderia ser a dos feitos de Ulisses, que não fez nenhum curso intitulado “como vencer a guerra contra Troia” e nem frequentou qualquer programa de treinamento sobre “como vencer as atribulações de uma viagem cheia de imprevistos e tentações, e de gigantes ameaçadores ou de feiticeiras ardilosas”. No entanto, Ulisses tinha a seu favor as virtudes acessíveis a todos os seres humanos: a coragem, a sagacidade, o discernimento e a determinação para vencer obstáculos, ao invés de reclamar de sua própria sorte.
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[1] Este texto foi preparado originalmente para servir de base para a apresentação feita para o Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Jorge Amado (Salvador, BA, 17/Abril/2015). Esta é uma versão revisada em Agosto/2021.
[2] Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
[3] Há uma boa edição de A História da Guerra do Peloponeso (2002) feita no Brasil, com prefácio escrito por Hélio Jaguaribe.
[4] Atribui-se a Jeremy Bentham o emprego do termo “internacional” pela primeira vez em uma obra escrita, referindo-se a “jurisprudência internacional” (1907[1789]). Em artigo publicado na revista Social Text, N. Polat reproduz o que Bentham explica em nota de rodapé: “(…) is calculated to express, in a more significant way, the branch of law which goes commonly under the name of the law of nations: an appellation so uncharacteristic, that, were it not for the force of custom, it would seem rather to refer to internal jurisprudence“ (2000).
[5] A discussão dessa questão aparece nas obras que tratam da teoria da ciência. Ver, por exemplo, Jonathan Dancy (1985) e Roderick Chrisholm (1977).
[6] Augusto Comte (1798-1857), considerado fundador da Sociologia, foi influenciado por Saint-Simon (1760-1825) que também era um entusiasta da ideia de que a lógica da ciência poderia ser aplicada à ordem social (GOUTHIER, 1931).
[7] Os anos do quarto de século que antecederam a primeira guerra mundial são referidas na história como belle époque em razão do ambiente de generalizado otimismo sobre uma cultura cosmopolita em expansão e de uma prosperidade que se acreditava permanente.
[8] O argumento do “suave comércio”, isto é, de que as relações econômicas e comerciais promovem a paz, teve a contribuição de pensadores como Vico, Montesquieu e Kant, além, naturalmente, da longa tradição liberal.
[9] A origem dessas duas instituições em termos semelhantes é mencionada também por Cris Brown em Understanding Inernational Relations (1997, p. 24).
[10] “A ação internacional é política, e o trabalho científico não será genuinamente científico a menos que a política seja mantida fora dele. Portanto, o primeiro artigo de constituição de nossa sociedade deveria estabelecer que a sociedade não teria, enquanto corporação, qualquer política, embora evidentemente isto não restringisse a liberdade de seus membros de, individualmente, favorecer ou promover esta ou aquela (política) (…) enquanto cidadãos e votantes” (TOYNBEE, 1970, p. 71).
[11] Trata-se da Carnegie Endowment for International Peace e essa fundação existe até hoje (WHITAKER, 1974, pp. 75-76).
[12] H. J. Morgenthau no capítulo dois de seu livro explica seu propósito de construir uma ciência da política internacional “(…) visto que a finalidade de todos os empreendimentos científicos consiste em descobrir as forças subjacentes aos fenômenos sociais e o modo como elas operam” (2003, p. 29).
[13] O Instituto Rio Branco, que seleciona e forma diplomatas brasileiros, foi criado em 1945. Em 1954, foi criado o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) que, em 1958, passou a publicar regularmente, a Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), que guardava semelhança com a Foreign Affairs trazendo artigos de acadêmicos, jornalistas e de oficiais do governo. Em 1993, o IBRI foi transferido para Brasília reformulando suas características, dando um novo formato à RBPI.
[14] Cabe destacar uma notável exceção, que foi o caso do Jornalismo, cuja regulamentação, exigindo-se diplomas de cursos de jornalismo, foi sensivelmente flexibilizada diante do fato de que entre os mais notáveis jornalistas a maioria não tinha diploma de graduação em jornalismo e o mesmo ocorria com proprietários e diretores de empresas jornalísticas.
[15] Relatórios recentes do Ministério da Educação indicam que mais de 1/3 dos estudantes matriculados nas universidades públicas brasileiras abandonam seus cursos antes de os concluir.
[16] O livro mais importante de Helmut Sick (1901-1991) “Ornitologia Brasileira” foi publicado pela Editora da UnB em 1984, e trazia o registro e as características de mais de 2.000 espécies de aves brasileiras, algumas delas identificadas pela primeira vez pelo próprio autor.
[17] A observação de aves (birdwatching) é uma atividade tipicamente amadora, isto é, praticada apenas pelo prazer de observar as aves. Existem muitas sociedades de birdwatching, inclusive no Brasil, que organizam excursões e encontros com essa finalidade.
[18] Há dados não oficiais de que existem hoje mais de uma centena e meia de diplomatas em atividade, que são oriundos apenas do Curso de Bacharelado em Relações Internacionais da UnB, mas obviamente, deve haver um número até maior de diplomatas egressos de outros cursos de Relações Internacionais espalhados pelo País.
[19] O livro The Two Cultures; and a Second Look de C. P. Snow foi publicado em 1959.
[20] J. M. Keynes, Essays in Persuasion. A obra foi publicada em 1963, mas o prefácio escrito por Keynes apresentando o livro foi escrito em Novembro de 1931.
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