O silêncio das baionetas e a voz feminina

Marcus Vinicius de Freitas[1]

Embora cada geração acredite que os desafios por ela enfrentados são superiores aos do passado, o fato é que a História da Humanidade tem apresentado várias encruzilhadas que alteraram profundamente o rumo das nações, dos povos e do próprio mundo.

Muito se fala da Segunda Guerra Mundial, particularmente em razão das atrocidades perpretradas pelo regime nazista, com a sua perseguição a grupos como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová, maçons, comunistas e judeus. Além disso, o final da Segunda Guerra Mundial ensejou uma enorme modificação na geopolítica global, com o nascimento das Nações Unidas e com a aceleração do processo de autodeterminação dos povos, que deu fim ao colonialismo e fez multiplicar o número de países existentes. Houve, ainda, a transição da antiga ordem mundial para uma nova, inicialmente unipolar com a supremacia dos Estados Unidos como potência nuclear e, depois, bipolar com a nuclearização da União Soviética, num processo de embates constantes durante a Guerra Fria, que perdurou até 1991, quando o império soviético colapsou – algo que Vladimir Putin definiu como a maior tragédia do século XX.

A Primeira Guerra Mundial, no entanto, também teve um papel fundamental na construção da sociedade contemporânea. As batalhas travadas alteraram profundamente o rumo da história e o mundo como conhecemos hoje. A batalha final da guerra, conhecida como “Ofensiva Meuse-Argonne”, que foi a maior operação das Forças Expedicionárias dos Estados Unidos, com mais de um milhão de soldados, por exemplo, revelou-se a campanha mais letal da história norte-americana, com 26 mil soldados mortos e 120 mil feridos. Vencida a guerra, veio o armistício. Foi assim que o silêncio das baionetas, pela primeira vez, ocorrido às 11h00, no dia 11 de novembro de 1918, após uma guerra sem precedentes, pôs fim à Primeira Guerra Mundial, deixando legados fundamentais sentidos até hoje.

Vários foram os contributos da Primeira Guerra Mundial. Sem dúvida, o fim dos Impérios Austro-Húngaro e Otomano impactaram o desenho da Europa e do Oriente Médio. Surgiram vários novos estados, muitos pobres, o que fez perpetuar um clima de conflito e um nacionalismo ufanista. A mesma guerra que produziu a Sociedade das Nações (mais tarde reformulado o conceito como Nações Unidas) – a primeira tentativa de um esforço coletivo para manutenção da paz – foi também o famigerado Tratado de Versalhes que continha as sementes da Segunda Guerra.

No entanto, o silêncio das baionetas também fez surgir uma voz: a emancipação feminina. Foi a partir da Primeira Guerra que as mulheres passaram a assumir papeis anteriormente reservados aos homens. Neste processo, foram paulatinamente conquistados direitos políticos, com uma alteração profunda nos costumes sociais. É fato que muitas mulheres já trabalhavam antes da guerra. Porém, a Primeira Guerra Mundial abriu uma infinidade de oportunidades e possibilidades.De todos os legados e atrocidades, sem dúvida, o processo de emancipação das mulheres foi um dos maiores, porque, finalmente, a mulher passou a assumir o papel de relevância que algumas culturas lhes haviam negado.

 

[1] Marcus Vinicius de Freitas é professor visitante na China Foreign Affairs University.