A liberdade econômica no Brasil e no mundo

 

No início de 1990, Letônia, Lituânia e Estônia deixaram de fazer parte da União Soviética e iniciaram um processo de reformas liberais.  Em 2001, a renda média de um cidadão desses países já era maior do que a de um brasileiro. Hoje é o dobro.

 

Acaba de ser divulgada pela Heritage Foundation[1] a edição do Índice de Liberdade Econômica 2022[2]. Neste índice, os países avaliados recebem uma nota de 0 a 100, em que 100 é total liberdade econômica. Os 12 critérios levados em conta vão além do tamanho da carga tributária e incluem a transparência governamental e a independência do judiciário. Os países são classificados em cinco categorias, de acordo com a pontuação:

  • Livres: acima de 80 pontos;
  • Majoritariamente livres: de 70 a 79,9;
  • Moderadamente livres: de 60 a 69,9;
  • Majoritariamente não-livres: de 50 a 59,9;
  • Reprimidos: abaixo de 50.

O Índice de 2022, que avalia as políticas e condições econômicas em 184 países soberanos de 1° de julho de 2020 a 30 de junho de 2021, revela uma economia que, de forma geral, continua “moderadamente livre”. Entretanto, a pontuação média global de liberdade econômica agora é de 60 – uma perda de 1,6 ponto em relação aos 61,6 do último ano.

Antes de comentar dados específicos do Índice, em especial os relacionados ao Brasil, gostaria de apontar algumas premissas adotadas pela Heritage Foundation.

A principal premissa do Índice, sustentada por um grande volume de dados, é que a liberdade econômica é inseparável do progresso econômico porque permite a troca de bens e serviços de uma forma eficiente e oferece os incentivos necessários à geração de riquezas e de emprego.

 

Decorrente dessa premissa principal, a segunda diz respeito à correlação entre liberdade econômica e padrão de vida. O padrão de vida, medido pela renda per capita, é muito mais alto em países economicamente mais livres. Países classificados como “livres”, “majoritariamente livres” ou “moderadamente livres” no Índice de 2022 geram uma renda que é mais do que o dobro do nível médio de outros países, e mais de três vezes superior à dos habitantes dos países “reprimidos”.  Como documentado novamente pelo Índice de 2022, a liberdade econômica também tem forte correlação com o bem-estar de forma geral, que inclui fatores como saúde, educação, meio-ambiente, inovação, progresso da sociedade e governança democrática.

A terceira refere-se à influência da pandemia de Covid-19 sobre diferentes aspectos relacionados à liberdade econômica. Desde o começo de 2020, a pandemia de Covid-19 e, especialmente, as muitas restrições à atividade econômica e à movimentação de pessoas que os governos impuseram em resposta a ela, causaram prejuízos à economia mundial. Quase todos os países incluídos neste Índice tiveram crescimento negativo em 2020, o que não é uma surpresa dado que muitas das ações que os governos tomaram em nome da proteção à saúde pública também tiveram como efeito a redução da liberdade econômica. Essas restrições geraram um custo em termos de bem-estar humano que deve ser somado ao enorme custo das mortes pela doença propriamente dita. As pontuações deste ano também parecem ter sido afetadas significativamente pelas respostas dos governos à pandemia de Covid-19, e o rigor dessas respostas nitidamente diferiu de acordo com a região.

Por fim, a quarta premissa sinaliza para a existência de diferenças regionais. Os benefícios da liberdade econômica – maior renda e riqueza, melhor saúde e meio-ambiente mais limpo, entre muitos outros – são evidentes em cada uma das cinco regiões globais cobertas pelo Índice, mas há diferenças substanciais entre as regiões em termos de seus níveis de desenvolvimento e cultura social e econômica, o que afeta a importância relativa dos vários fatores que influenciam o nível de liberdade econômica.

Estabelecidas as premissas, seguem-se agora algumas observações pontuais sobre o Índice de Liberdade Econômica 2022.

Considerações gerais

No ranking que tem nas cinco primeiras posições[3] Cingapura, Suíça, Irlanda, Nova Zelândia e Luxemburgo, sete países registraram pontuações de liberdade econômica de 80 ou mais, o que os coloca na categoria dos economicamente “livres”. Vinte e sete países receberam a designação de “majoritariamente livres” ao obter notas de 70,0 a 79,9, e outros 54 países foram considerados pelo menos “moderadamente livres”, com pontuações de 60,0 a 69,9. Assim, um total de 88 países, cerca de metade dos 177 países classificados no Índice de 2022, possuem ambientes institucionais nos quais indivíduos e empresas privadas se beneficiam de um grau pelo menos moderado de liberdade econômica na busca por mais desenvolvimento econômico e prosperidade.

No lado oposto do espectro, 50% dos países avaliados no Índice de 2022 (89 economias) registraram pontuações de liberdade econômica abaixo de 60. Desses, 57 economias são consideradas “majoritariamente não-livres” (pontuações de 50,0 a 59,9), entre as quais o Brasil, e 32 países, incluindo a China, estão na categoria de “reprimidos” economicamente[4].

Concluindo as considerações gerais, ressalte-se que a pontuação média global de liberdade de comércio exterior caiu de 70,9 para 69,5. Este é o quarto ano consecutivo em que a média global cai. A liberdade de comércio exterior diminuiu em 98 dos 177 países classificados no Índice. As pontuações melhoraram em apenas 37 países e permaneceram inalteradas em 42 países.

Considerações sobre a região das Américas

O Índice de Liberdade Econômica destaca que a região das Américas, que cobre mais de um quarto da massa terrestre do globo, é uma das áreas com maior diversidade econômica do mundo. Com uma população de pouco mais de um bilhão de pessoas, ela tem o segundo maior produto interno bruto (PIB) ponderado pela população per capita (US$ 31.992 em paridade de poder de compra). Dentro da região, as economias se contraíram a uma taxa média de -0,4% nos últimos cinco anos. O índice regional médio de desemprego subiu para 9,5%, embora a taxa média regional de inflação (excluindo a Venezuela) tenha caído um pouco, para 4,3%. O nível médio de dívida pública da região – já o mais alto do mundo – agora é de 99,4% do PIB.

Além de enfatizar que os fundamentos de um mercado livre funcional continuam rasos em muitos países latino-americanos, com corrupção generalizada e uma proteção fraca dos direitos de propriedade, o Índice de Liberdade Econômica  afirma que isso acentua deficiências sistêmicas como a ineficiência regulatória e a instabilidade monetária, causadas por várias distorções de mercado que são impulsionadas pelo governo. A Liberdade de Negócios, a Liberdade de Trabalho, a Liberdade de Investimento e a Liberdade Financeira são geralmente consistentes com os padrões mundiais. Agravada por gastos deficitários muito mais altos durante a pandemia, no entanto, a saúde fiscal está se deteriorando.

Quatro destaques apontados pelo Índice na região das Américas: 1. Barbados, destaque da liberdade econômica nos últimos anos, que alcançou a categoria dos países “majoritariamente livres”; 2. Guiana, que teve considerável aceleração do crescimento econômico como consequência do boom do petróleo offshore e começa a perceber a melhora da liberdade econômica em 2022; 3. Estados Unidos, que continuam em queda dentro da categoria “majoritariamente livre”; 4. México, onde o presidente López Obrador não conseguiu resolver problemas relacionados à criminalidade, corrupção e pobreza e dá claros sinais de tentar voltar a impor os controles estatais ao estilo dos verificados na década de 1970.

Considerações sobre o Brasil

O Índice de Liberdade Econômica inicia sua análise sobre o Brasil com uma colocação discutível referente à eleição e ao desempenho do presidente Jair Bolsonaro:

Em 2018, após um longo período de caos político motivado por enormes escândalos de corrupção pública e crise econômica, os eleitores elegeram o conservador Jair Bolsonaro, que tentará a reeleição em 2022. Em geral, ele tem buscado uma agenda de livre-mercado, incluindo uma revisão do sistema previdenciário e a privatização de ativos públicos. Contudo, suas relações turbulentas com vários partidos no Congresso têm impedido sua agenda de reformas, barrando a promulgação de medidas de austeridade e reformas no sistema tributário, que é um dos mais onerosos entre os países emergentes.

Mesmo reconhecendo as relações turbulentas com vários partidos no Congresso, me parece muito claro após três anos de mandato que o presidente Jair Bolsonaro está longe de ser um adepto da agenda de livre mercado, o que pode ser comprovado não apenas pelo seu histórico como parlamentar, mas também pelo pouco empenho pessoal para conseguir avançar com as reformas estruturais e por sucessivas declarações ou decisões que deixam com os nervos à flor da pele os integrantes realmente liberais que restaram em sua equipe.

Com uma pontuação de 53,3, o Brasil encontra-se abaixo da média regional das Américas (59,4) e da média mundial (60,0), mas revela uma tendência relativamente estável, como se vê no gráfico 1.

Gráfico 1 – Tendência recente do Brasil no Índice de Liberdade Econômica

 

Passando aos aspectos particulares considerados pelo Índice, no que se refere ao Estado de Direito, os direitos de propriedades tanto para os brasileiros quanto para os estrangeiros são, no geral, aplicados, mas o sistema de registro de financiamento imobiliário é desigual. A proteção dos direitos de propriedade intelectual é inadequada. O judiciário, apesar de ser predominantemente independente, é sobrecarregado, ineficiente e, frequentemente, sujeito à intimidação e a outras influências externas.

Além dessas considerações, creio pertinente acrescentar a percepção de uma influência cada vez maior do Supremo Tribunal Federal, que, em determinados momentos, dá a impressão de se superpor à Constituição em vez de ser seu guardião.

Em relação ao tamanho do governo e à realidade tributária, a maior alíquota de imposto de renda é de 27,5%, e a maior alíquota corporativa é de 34%. Outras taxas incluem impostos de valor agregado e de impostos especiais sobre o consumo. A taxa tributária geral é de 33,1% da renda doméstica total. Os gastos do governo atingiram 39,2% da produção total (PIB) nos últimos três anos, e os déficits orçamentários tiveram uma média de 8,8%. A dívida pública equivale a 98,9% do PIB.

No que se refere à eficiência regulatória, constatam-se os maiores avanços conseguidos durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo no plano microeconômico[5]. Menção especial nesse sentido à Lei de Liberdade Econômica, adotada em 2019, que busca simplificar regulações e estabelecer padrões para a proteção da livre iniciativa e liberdade de escolha nas decisões econômicas.

Não se pode negar que a pandemia da Covid-19 influenciou negativamente não apenas no Brasil, mas em diversos países, impondo ações que aumentaram a intervenção governamental na economia.

Por fim, quanto ao grau de abertura da economia, observa-se que o Brasil segue lentamente conquistando espaço no comércio mundial, permanecendo, porém, muito abaixo de outros países considerados emergentes.

O País tem nove acordos de comércio preferencial em vigor. A taxa de tarifa média ponderada é 10%, e 697 medidas não tarifárias estão em vigência. Aos investidores estrangeiros é garantido o tratamento equivalente aos nacionais, mas a atividade deles é restringida em alguns setores, incluindo comunicações e mineração. O setor bancário permanece estável e relativamente competitivo, com o crédito do setor privado em expansão. O setor de seguros se tornou o maior da região.

Em que pese a relativa estabilidade e ao fato de ter melhorado dez posições no ranking geral, em grande parte pela piora de outros países que tiveram mais dificuldade para enfrentar os efeitos da pandemia, concluo afirmando ser inaceitável ver o Brasil na 133ª posição entre 184 países.

Ainda que existam críticas a pesquisas como esta da Heritage Foundation, não resta dúvida de que o Brasil tem muito a melhorar.

 

 

[1] A Heritage Foundation foi criada em 1973 e é uma instituição de pesquisa e educação – um “think tank” – cuja missão é formular e promover políticas públicas conservadoras baseadas em princípios como a livre iniciativa, o governo limitado e a liberdade individual.

[2] Publicado desde 1995, o Índice de Liberdade Econômica é o principal termômetro do progresso (e dos retrocessos) da liberdade econômica ao redor do globo.

[3] Foi constatada uma importante reorganização no topo do ranking. Cingapura manteve seu status de economia mais livre do mundo, mas a Austrália saiu da categoria “livre” e a Nova Zelândia caiu para o quarto lugar, atrás da Suíça e da Irlanda. Luxemburgo, Taiwan e Estônia passaram pela primeira vez à categoria “livre”.

[4] Os cinco últimos países do ranking, ou seja, aqueles em que há menor liberdade econômica, foram Zimbábue, Sudão, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte.

[5] Recomendo, nesse aspecto, a leitura do artigo do cientista político Rogério Schmitt publicado pelo Espaço Democrático (https://espacodemocratico.org.br/artigos/congresso-tem-sido-o-maior-protagonista-da-agenda-de-reformas/).