A Festa de Fim de Ano

Marcel Solimeo

 

Com 59 anos como economista da Associação Comercial de São Paulo, o que me obrigou a acompanhar a política e a economia do País diariamente, imaginava que não veria mais nada de novo nessas áreas, a não ser repetições, lembrando do que dizia o Afif que “de novo só o que foi esquecido”.

Confesso, no entanto, que me surpreendi com a festa de fim do ano da Confraria do Gasto, integrada pelo Executivo (futuro), pelo Legislativo e pelo Judiciário, que, em ação coordenada conseguiram contentar todos seus membros. O aumento generoso para todos os membros da Confraria foi apenas um sinal do que iria acontecer.

A exclusão do teto de gastos dos gastos do Auxílio\Bolsa autorizado pelo ministro Gilmar Mendes, combinado com a declaração de inconstitucionalidade do “orçamento secreto” propiciou as condições ideais para as negociações da PEC da Transação, contentando a todos e, com certeza, se precisar atender mais alguém, o caminho está aberto.

Foi emocionante ver a dedicação do Congresso, trabalhando a noite, “enquanto a plebe rude da cidade dorme”, como dizia o velho samba, para aprovar a gastança, sem qualquer preocupação com o detalhe de como tudo isso vai ser pago.

A Constituição, que no dizer do jurista Ferdinand Hesse deve ser “a ordem fundamental de uma sociedade, que se estrutura a partir de certos princípios fundamentais, e que para ser eficaz não deve sofrer constantes mutações” não foi obstáculo para os parlamentares pois, como dizia, Getúlio, ela é “como as virgens, que para ser fértil, precisa ser violada. Constata-se que as garantias dos direitos individuais e a segurança dos contribuintes nada valem pois, se como afirmava Lassale, a Constituição reflete uma estrutura de poder, e o poder agora está na mão da Confraria do gasto, “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

Se a Constituição é detalhe, as leis se tornam muito mais frágeis, como mostra a modificação do Estatuto das Estatais para atender aos interesses de quem manda pois, como dizia Getúlio, “a lei, ora a lei”.

Com a PEC do Gasto, 37 ministérios e as propostas dos grupos de transição criamos uma “Realidade Virtual”, o “Metaverso Orçamentário”, onde não existe escassez de recursos (para a Confraria), e as palavras como Austeridade, Prioridade, Produtividade, passam a significar exatamente seu contrário, como na “Novilingua” de George Orwell. Quanto aos pobres, que tem sido a justificativa para tudo, continuarão a ser apenas estatísticas que, certamente, serão utilizadas para aumentar os impostos sobre a ricos, ignorando que somente com o aumento da riqueza será possível combater a pobreza de forma duradora

Como cidadão, e como contribuinte que vive no mundo real, busco algum consolo, lembrando dos estóicos, que eram “indiferentes ao prazer e à dor, aos altos e baixos do destino, tendo como ponto de partida a avaliação daquilo que na vida pode ou não ser controlado”. Segundo eles, a causa da infelicidade é nos preocuparmos com coisas sobre as quais não temos poder. Devemos ter foco naquilo que pode ser controlado por nós, que são nossos valores, e ser calmo e racional independentemente do que aconteça.

Ou, como na Oração de São Francisco, pedir “força para mudar o que pode ser mudado, resignação para aceitar o que não pode ser mudado, e sabedoria para distinguir uma coisa da outra”.

Outra alternativa, e que me parece mais interessante para o momento, é me inspirar em Voltaire, com seu doutor Pangloss, para quem “tudo, absolutamente tudo, acontece para o bem, neste que é o melhor dos mundos possíveis”.

 

 Marcel Solimeo é economista-chefe da Associação   Comercial de São Paulo.